Cosa Avette Fatto a Solange? - 1972
Eis um dos mais impactantes e famosos gialli já feito. Também é um dos mais contundentes e corajosos exemplares do subgênero, ao mexer com alguns temas tabus na época, e como os iniciados estão carecas de saber, a sutileza não é uma das características desses filmes de mistério à italiana.
A obra abre com uma bela cena, em que um casal de amantes passeia numa canoa pelo rio Tâmisa de Londres. O homem insiste em entrar na sacanagem, mas a virginal moça se recusa a se entregar para o ato carnal, entre um amasso e uma recusa, a garota acaba vendo uma mulher correndo pelo bosque na margem do rio, e acaba testemunhando o assassinato desta última. Obviamente tudo é muito rápido e a testemunha não consegue ver o rosto do assassino. A moça entra em pânico, mas seu companheiro, que não só vê nada, como não acredita nela, achando se tratar de mais uma desculpa para não fazer sexo. Até chegar o dia seguinte, e ele descobre que realmente houve um assassinato ali.
Logo sabemos que o casal do início é formado por Enrico Rosseni (o galã FabioTesti do faroeste “Os Quatro do Apocalipse” de Lucio Fulci), professor de italiano numa típica escola para moças de Londres, e a garota é uma de suas alunas, Elizabeth Seccles (a espanhola Cristina Galbó, do clássico filme de zumbi “Let Sleeping Corpses Lie” de Jorge Grau).E que a vítima era também uma das alunas de Enrico, e colega de classe de Elizabeth, e foi brutalmente assassinada com uma enorme faca penetrada na vagina!
No decorrer das investigações o professor acaba virando o principal suspeito. E pior, tem queficar calado sobre o ocorrido, pois além de estar com uma aluna, há o agravante de ser casada com Herta, uma das professoras do mesmo colégio em que leciona (interpretada pela bela alemã Karin Baal que trabalhou em “Lola” de Rainer Werner Fassbinder).
O filme acaba seguindo a velha cartilha do giallo: a de que o principal suspeito terá que investigar e descobrir o assassino por conta própria para salvar o pescoço. As coisas pioram quando o tradicional assassino de luvas pretas continua fazendo vítimas entre as belas alunas da escola.
Inspirado numa história de Edgar Wallace, escritor cuja obra é a fonte principal dos chamados Krimis alemães, filmes de mistério rodados na Alemanha Oriental nas décadas de 50 e 60, embora as tramas se passassem em Londres, e que acabariam influenciando os gialli. Aqui, como nos thrillers germânicos, temos a capital britânica como pano de fundo para assassinatos brutais, sem contar que no elenco temos a figura do alemão Günther Stoll, ele próprio atuou em alguns desses Krimis alemães (“Maigretundsein Größter Fall”, “Straßenbekanntschaftenauf St. Pauli”).
O diretor Massimo Dallamano, que começou no cinema como diretor de fotografia, trabalhando inclusive com Sergio Leone, faz aqui seu mais famoso trabalho. Com uma fotografia primorosa, e inquieta em alguns momentos, criando movimentos alucinantes (cortesia de Aristide Massaccesi, mais conhecido pelo pseudônimo de Joe D'Amato) como na tradicional morte na banheira do Giallo (inaugurado em “Sei Donne per l'Assassino” - 1964) de Mario Bava. Se Hitchcock inaugurou a morte no chuveiro em Psicose, Bava inaugurou a morte na banheira.
A trilha sonora de Ennio Morricone é bela, como de praxe, mas o maior destaque vai para o roteiro, escrito a quatro mãos pelo próprio diretor junto com Bruno Di Geronimo, que embora tenha em sua conclusão um fato por demais rocambolesco (embora não chegue aos pés das fantasias mirabolantes criados por Edgar Wallace), aqui há elementos como: lesbianismo entre adolescentes, abortos clandestinos, voyeurismo, falsos clérigos, torturas, etc.
A personagem-título Solange é interpretada pela mítica Camille Keaton, a estrela do I Spit on your Grave original. E embora não fique nua como quase todo o resto do elenco feminino, sua presença é marcante e é a chave para elucidar todo mistério.
Transgressor e ousado para sua época Cosa Avette Fatto a Solange? é um exemplar importante dentro do mitológico ciclo do Giallo. Simplesmente obrigatório.