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L'Uccello dalle Piume di Cristallo - 1970


O subgênero Giallo pegou sua alcunha emprestada do termo pejorativo de publicações de livros de bolso (ou publicações pulp, se preferir) de suspense e mistério, cuja característica era suas capas amarelas (daí o termo giallo, “amarelo” em italiano e cujo plural correto seria gialli). Quem deu o pontapé inicial nesses filmes, com seus misteriosos assassinos de luvas pretas e lâminas reluzentes, foi o mestre Mario Bava, no começo dos anos 60, com obras como La Ragazza che Sapeva Troppo e I Tre Volti della Paura/Black Sabbath, ambos realizados em 1963, e Sei Donne per l'Assassino de 1964.


Ao longo da década de 1960 foi realizado um número razoável de gialli feito por diretores diversos como: Vittorio Sala e Gorge Marshall (ambos co-dirigiram “L'Intrigo”, 1964), Giulio Quest (“La morte ha fatto l'Uovo”), Riccardo Freda (“A Doppia Faccia”, 1969), Umberto Lenzi (“Così dolce... così perversa”, 1969) e até o sacana do Tinto Brass soltou seu exemplar, com o híbrido Col Cuore in Gola (1967), uma mistura de giallo com pop art, influenciado pela novelle vague!


Como podem ver o giallo já rondava os becos escuros do cinema italiano ao longo dos anos 60, mas foi com o estrondoso sucesso comercial de uma obra de 1970, dirigida por um jovem estreante, que esse subgênero ganhou grande popularidade, pipocando vários exemplares. O filme em questão se chama O Pássaro das Plumas de Cristal, seu diretor: Dario Argento. No começo do filme sabemos que um serial killer anda aprontando pelas ruas de Roma, fazendo belas mulheres de vítimas. A polícia se mostra inoperante, como de hábito nos gialli, e a imprensa se delicia com o escarcéu que cria em cima dos crimes. Alheio no momento a tudo isso temos o protagonista Sam Dalmas (Tony Musante), um escritor norte-americano que, numa crise criativa, foi passar uma temporada em Roma, “nada acontece na Itália” aconselhou um amigo seu. O máximo de trabalho que Sam conseguiu no país da bota foi fazer um catálogo sobre aves.


Numa bela noite, Sam está voltando para casa quando assiste uma tentativa de assassinato dentro de uma galeria, obviamente que nosso bom samaritano vai tentar impedir o crime. Porém, graças à astúcia do criminoso, Sam fica preso num vão, entre as portas de vidro, interna e a externa, da galeria. Enquanto o assassino foge, nosso protagonista testemunha a agonia da vítima, até a chegada da polícia. A vítima sobrevive, ela se chama Monica (Eva Renzi), é casada como dono da galeria de arte, o sr. Alberto Ranieri (Umberto Raho).

Interrogado exaustivamente, Sam sabe que viu algo de errado, mas por mais que revire suas lembranças, não consegue identificar o eixo que não encaixa. O inspetor Morosini (Enrico Maria Salerno), na esperança de que Sam lembre mais alguma coisa, acaba confiscando o passaporte do norte-americano.


Nosso protagonista está impedido de sair do país (ele planejava voltar para os EUA dentro de dois dias), como se isso não fosse ruim o suficiente, o escritor acaba sofrendo ataques do próprio assassino, colocando em risco não só a vida do protagonista, mas também de sua namorada italiana, Julia (interpretada por Suzy Kendall que depois estrelaria “Torso”). Restará a nosso herói investigar o caso por conta própria, até chegar a uma conclusão bizarra.


Enquanto isso o assassino fará novas vítimas, como a antológica cena em que ataca uma moça em seu quarto, e que acabaria inspirando um dos pôsteres de cinema do filme. A moça em questão é a belíssima Rosita Torosh, creditada aqui como Rosita Toros, que na época chegou a ser a presidente da Sociedade Naturista Italiana! Morreu de câncer em 1995, aos 50 anos. Vale lembrar que uma das chaves que elucida o caso é o pássaro que dá nome ao título, que segundo o filme seria uma rara ave oriunda da Sibéria, cujo nome cientifico seria Hornitus Nevalis, que na verdade não existe. A ave que mostram é nada mais que um grou-coroado-oriental, ave típica da savana africana, lugar bem distante da Sibéria, diga-se de passagem.

Ex-crítico de cinema e ex-roterista (seu trabalho mais célebre foi o script, escrito a quatro mãos com Bernardo Bertolucci, para o clássico “Era uma Vez no Oeste”), Dario Argento resolveu remangar as mangas e botar mãos a obra. Seguindo a escola deixada por Bava (que reza a lenda detestou “O Pássaro das Plumas de Cristal”, acusando o filme de ser mero plágio do seu “La Ragazza che Sapeva Troppo”). Segundo alguns, inspirado num conto de Frederic Brown, outras fontes alegam Edgar Wallace como inspiração, o fato é que o jovem diretor criou um filme instigante e de forte apelo visual, que segundo dizem, teria impressionado até Hitchcock na época.


Filmado em seis semanas, com o custo em torno de 500 mil dólares. A estreia de Dario Argento se deu com o apoio do pai, o produtor de cinema Salvatore Argento, em parceria com o produtor alemão Artur Breuner, ou seja, uma co-produção entre Itália e Alemanha. Outro colaborador importante foi o vizinho e amigo da família Ennio Morricone. Detalhe: quem conduziu a trilha composta por Ennio foi o maestro Bruno Nicolai, pupilo de Morricone, e que depois se notabilizaria por criar várias trilhas inesquecíveis de Gialli.


Embora com todo apoio fraternal, nem tudo foram flores, um produtor executivo não acreditava no filme, achando muito violento, ao ponto de querer tirar Argento das filmagens. Achava que o filme seria um fracasso, até ver a reação de sua secretária, que teria passado mal durante uma exibição-teste, o tal executivo acabou mudando de ideia a partir daí. Outra presença marcante na realização do filme foi o diretor de fotografia Vitorio Storatto, na época também um novato, depois ele faria filmes como Apocalipse Now e viraria colaborador frequente de Bernardo Bertolucci.


Aqui não temos ainda as experimentações cromáticas de Argento, o uso forte de cores, principalmente o vermelho, que seriam sua assinatura. Isso aconteceria a partir de Profondo Rosso (1975), e explodiria em Suspiria (1977) e Inferno (1980). Embora sem o isso e abuso de cores fortes, Argento já mostrava em sua estreia outra marcada sua, o belo uso da câmera, sendo em ângulos inusitados, sendo em malucos movimentos de câmera. Numa cena, por exemplo, temos uma das personagens caindo de um prédio, vemos a queda através dos olhos da vítima, para conseguir esse efeito de câmera subjetiva, a produção simplesmente tocou a câmera prédio abaixo, espatifando-a e usando a película depois. Ponto para Storatto, que não só deve ter embarcado como colaborado para as excentricidades visuais de Argento.

Outro destaque do filme é seu elenco peculiar. Entre os atores coadjuvantes destaque para o esquisitão Reggie Nalder (que ficaria lembrado como o vampiro Kurt Balow na versão para tv de “Salem’sLot”, do TobeHooper), como um assassino de aluguel e de Mario Ardof, como um bizarro pintor, personagem que não só lança uma luz para a solução do enigma, como serve também como um alívio cômico politicamente incorreto. Destaque também para o fato de aqui Argento inaugurar um fato que se repetiria nos seus filmes seguintes: as mãos enluvadas do assassino nada mais são que as mãos do próprio Argento! Ele sempre usaria a partir daqui, suas mãos para representarem as mãos do assassino.


O Pássaro das Plumas de Cristal foi um enorme sucesso de bilheteria, tanto na Itália quanto nos EUA. Esse sucesso fez com que Argento engatasse imediatamente mais dois gialli, lançados em 1971: O Gato de Nove Caudas e Quatro Moscas sobre Veludo Cinza. Fechando assim um ciclo que ficou conhecido como a trilogia dos bichos.


Ao contrário do cinema e da televisão que o exibiram com o título original traduziu por completo, o filme foi lançado em vhspor aqui com o título mutilado de “As Plumas de Cristal”. Claro que o sucesso do filme de argento despertou o alarme dos produtores italianos, logo houve um boom do giallo. No começo dos anos 70, o cinema italiano se viu abarrotado deassassinos de luvas pretas e belas mulheres assassinadas. Praticamente todo diretor de cinema de gênero italiano acabou realizando seu giallo.


Por tudo citado acima, “L'Uccello dalle Piume di Cristallo” já marcaria seu lugar na história do cinema, mas ele também é um ótimo filme. Com um bom ritmo e ótimas cenas, ainda que longe do esplendor das obras-primas que o próprio Argento criaria depois. Mais do que uma estreia promissora, um belo filme que resistiu ao tempo e que merece ser visto e revisto.

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