Black Sabbath - 1963
“Aproximem-se, por favor. Tenho algo a lhes contar. Senhoras e senhores, sou Boris Karloff. Estou aqui para lhes apresentar três pequenos contos de terror e do sobrenatural. Espero que não tenham vindo ao cinema sozinhos. Como perceberão vendo este filme, os espíritos, os vampiros, estão por toda parte. Talvez haja um sentado ao seu lado agora. Sim, porque eles também vão ao cinema, eu lhes asseguro. Os vampiros têm um aspecto perfeitamente normal e na verdade, o são. Apenas tem o estanho hábito de beber sangue, especialmente o sangue daqueles que amam... Mas estou falando e perdendo tempo... Portanto, vamos ao primeiro conto.” – narração de abertura de Boris Karloff.
Um filme europeu de horror do início dos anos 60 do século passado, dividido em três histórias independentes, narradas pelo lendário ator Boris Karloff (que também atua num dos episódios, que aliás é o melhor deles), com direção do mestre Mario Bava, e com um elenco de lindas e maravilhosas mulheres como as atrizes Michèle Mercier e principalmente a estonteante Suzy Andersen. O resultado disso tudo pode ser encontrado sob o título “Black Sabbath – As Três Máscaras do Terror” (Black Sabbath – The Three Faces of Fear / I Tre Volti Della Paura, 63), que por todas essas características atraentes e qualificações inegáveis, obtemos momentos absolutos de entretenimento e satisfação numa sessão de cinema.
“O Telefone” (Il Telefono / The Telephone) é o primeiro episódio apresentado. Nele, uma bela mulher, Rosy (a francesa Michèle Mercier), está em sua casa e recebe vários telefonemas ameaçadores contra sua vida, supostamente vindos de um ex-amante, Frank Rainer (o argentino Milo Quesada, não creditado), que fugiu da cadeia depois de ser denunciado por ela. Rosy pede ajuda para sua amiga Mary (a italiana Lidia Alfonsi), e juntas elas tentam se proteger das ameaças.
Em seguida vem a história “O Wurdalak” (I Wurdalak / The Wurdalak), mostrando uma família do leste europeu composta por Giorgio (Glauco Onorato), sua esposa Maria (a grega Rika Dialina) e o filho pequeno Ivan, além de seu irmão Pietro (Massimo Righi) e a bela irmã Sdenka (Suzy Andersen). Eles estão esperando a chegada do patriarca, Gorca (Boris Karloff), que havia partido com o objetivo de matar um perigoso bandido turco que estava aterrorizando a região. Enquanto isso, o jovem Conde Vladimire d´Urfe (o americano Mark Damon, de “A Queda da Casa de Usher”, 60) está de passagem e é convidado para passar a noite com a família de camponeses, criando instantaneamente uma atração mútua entre ele e a jovem Sdenka. A preocupação da família é que no retorno do patriarca ele poderia ter se tornado vítima de uma lenda local, transformando-se num “wurdalak”, uma espécie de cadáver ambulante, um vampiro que tem sede de sangue justamente das pessoas que mais amou na vida.
O último conto de horror chama-se “A Gota d´Água” (La Goccia d´Acqua / The Drop of Water), baseado numa obra de Ivan Chekhov. Uma enfermeira, Helen Chester (a francesa Jacqueline Pierreux), é chamada às pressas durante uma noite chuvosa pela empregada (Milly Monti) de uma velha condessa, para preparar o cadáver dela para o funeral, pois ela havia morrido pouco tempo antes de ataque cardíaco durante uma sessão espírita, na tentativa de comunicação com os mortos. Durante os preparativos do corpo, Helen não resiste e rouba um anel de diamantes do dedo indicador da mão direita da falecida. Porém, ela não imaginaria o tormento que enfrentaria em sua volta para casa, assombrada pelo fantasma da condessa em busca de vingança.
Dos três episódios da antologia, “O Telefone” é o mais fraco, principalmente pelo roteiro apenas convencional, baseado em história do desconhecido F. G. Snyder, constituindo-se num “thriller” ou “giallo” (para os italianos) mediano apresentando o drama enfrentado pela personagem principal, a bela Rosy, presa em sua própria casa e sendo ameaçada de morte por uma voz no telefone. O episódio explora o tema do lesbianismo, um assunto considerado tabu e ainda mais difícil de se lidar no cinema há quase meio século atrás. A história é praticamente filmada num único ambiente, lembrando vários episódios da série de TV “Além da Imaginação” (1959/64), criada por Rod Serling, e que usava o mesmo recurso, gerando grande economia no orçamento. Curiosamente, a versão americana traz uma sequência final diferente do filme italiano, e que realça uma sugestão até então inexistente de elementos sobrenaturais, concluindo a história de forma bem mais interessante. “O Telefone” também antecipou em mais de trinta anos a idéia utilizada pelo cineasta Wes Craven no prólogo de “Pânico” (96), o cultuado filme de horror adolescente que impulsionou uma imensa safra de filmes similares com psicopatas assassinos mascarados.
O segundo episódio, “O Wurdalak”, baseado numa história do escritor russo Aleksei Tolstoy, é disparado o melhor de todos e o mais comprido em duração, sem contar o fato decisivo de termos o lendário ator Boris Karloff como o protagonista Gorca, numa performance digna de seu imenso talento e carisma dentro do cinema de horror em todos os tempos. A história lembra fortemente as características e estilos explorados pelo estúdio inglês “Hammer”, com todos aqueles elementos góticos que tanto despertam fascínio entre os apreciadores deste tipo de cinema de horror. Não faltam a tradicional floresta bizarra com árvores de aspecto fantasmagórico, a constante névoa sinistra, o ruído assustador do vento noturno, o perturbado cachorro uivando, a casa isolada no meio do mato, com suas portas rangendo, as ruínas ameaçadoras (nesse caso um convento antigo, abandonado e destruído pela ação impiedosa do tempo), uma família atormentada por uma lenda maldita sobre vampiros (chamados de “wurdalak”), entre outras coisas mais. E para completar, temos também um desfecho pessimista e trágico, totalmente diferente daqueles finais previsíveis e descartáveis onde todos “viveriam felizes para sempre”. É uma história verdadeiramente sinistra e memorável, num dos mais marcantes trabalhos de Boris Karloff, que faleceria poucos anos depois por causa de complicações respiratórias, no início de 1969.
O terceiro e último episódio (ou “face do medo” como sugere os títulos originais italiano e americano) também é muito interessante, abordando os temas do medo e a vingança de um fantasma. “A Gota d’Água” explora com sucesso o efeito perturbador que simples ruídos gerados por gotas d’água caindo das torneiras podem exercer sobre a fragilidade psicológica da protagonista, a enfermeira Helen Chester, que está assombrada pelo sentimento de culpa após ter roubado um anel valioso da mão do cadáver de uma velha decrépita quando preparava seu corpo para o funeral. É como diz Boris Karloff no encerramento do filme: “Com os fantasmas não se brinca, porque eles se vingam...”
Para o deleite dos apreciadores do cinema fantástico do passado, em especial dos fãs do ator inglês Boris Karloff e do cineasta italiano Mario Bava, “Black Sabbath – As Três Máscaras do Terror” (versão italiana) foi lançado em DVD no Brasil pelo selo “Dark Side” da “Works Editora”, recheado de interessantes materiais extras. Temos um trailer original italiano com legendas em português e duração de três minutos e meio (que curiosamente revela “spoilers” que denunciam detalhes importantes, principalmente sobre o episódio “O Telefone”), além de uma galeria de fotos e cartazes originais. Temos também as biografias de Boris Karloff e Mario Bava, sendo no caso desse último um texto detalhado sobre sua carreira e uma filmografia caprichada, onde destacam-se filmes como “A Máscara de Satã” (60), com Barbara Steele, “Hércules no Centro da Terra” (61), com Christopher Lee, “O Planeta dos Vampiros” (65), com a brasileira Norma Bengell, “Mata, Bebê, Mata” (66), e “Banho de Sangue” (71), entre outros títulos. Além disso, o material extra ainda inclui uma seleção de cenas exclusivas da versão americana do filme, lançada pela AIP (“American International Pictures”), trazendo a narração de introdução de cada episódio, feita por Boris Karloff no original em inglês e sem legendas em português, e os créditos de abertura. Porém, ficou faltando o final alternativo do episódio “O Telefone”, com ênfase no sobrenatural, e cujo resultado é bem superior ao da versão italiana.
“Pronto. Não lhes parece que devia terminar assim? Com os fantasmas não se brinca, porque eles se vingam... Bem, chegamos ao fim de nossas histórias e agora infelizmente devo deixa-los. Mas tomem cuidado quando voltarem para casa. Olhem ao redor, olhem para trás. Cuidado quando abrirem a porta, não entrem no escuro... Sonhem comigo! Nós nos tornaremos amigos!” – narração de encerramento de Boris Karloff.
Black Sabbath – As Três Máscaras do Terror (Black Sabbath – The Three Faces of Fear / I Tre Volti Della Paura, Itália / França / Estados Unidos, 1963).
Duração: 92 minutos.
Direção: Mario Bava e Salvatore Billitteri.
Roteiro: arcello Fondato, Alberto Bevilacqua e Mario Bava, a partir de histórias de Ivan Chekhov (“A Gota d’Água”), Alekxei Tolstoy (“O Wurdalak”) e F. G. Snyder (“O Telefone”). Produção: Salvatore Billitteri e Paolo Mercuri. Música: Roberto Nicolosi e Les Baxter (versão americana). Fotografia: Ubaldo Terzano. Edição: Mario Serandrei.
Direção de Arte: Giorgio Giovannini. Desenho de Produção: Riccardo Dominici. Maquiagem: Otello Fava.
Elenco: Episódio “O Telefone” – Michèle Mercier (Rosy), Lidia Alfonsi (Mary), Milo Quesada (Frank Rainer). Episódio “O Wurdalak” – Boris Karloff (Gorca), Mark Damon (Conde Vladimire d´Urfe), Suzy Andersen (Sdenka), Massimo Righi (Pietro), Rika Dialina (Maria), Glauco Onorato (Giorgio). Episódio “A Gota d´Água” – Jacqueline Pierreux (Helen Chester), Milly Monti (a empregada), Harriet Medin (a vizinha), Gustavo de Nardo (Inspetor de Polícia).
Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data: 24/11/05