Fábulas Negras: a prata da casa do cinema brasileiro
“Dizer que o horror é raro no cinema brasileiro é uma afirmação que, sozinha, quase nada significa. Afinal, filma-se pouco no Brasil – e exibe-se menos ainda. Então, só é possível dizer que o gênero é menos expressivo numericamente se compararmos sua expressão com a de outros gêneros. Nesse caso, o resultado é revelador: em 2002, Antonio Leão da Silva Neto, em seu Dicionário de filmes brasileiros, contabilizava que, até o começo daquele ano, 3.415 filmes de longa-metragem haviam sido finalizados no Brasil e, dentre eles, apenas duas dezenas eram classificadas pelo autor como sendo de horror ou de terror – em sua maioria, obras de Mojica. Só a título de comparação, o gênero policial, por vezes próximo do horror por seu caráter violento, era identificado no mesmo dicionário em mais de 250 obras.” - Fonte: Como pensar o horror no cinema brasileiro, por Laura L. Canepa.
Utilizando de base este ensaio da colega Laura, dou inicio a esta pequena matéria sobre um dos cineastas mais ativos no underground brasileiro; Rodrigo Aragão e suas Fábulas Negras. Capixaba nascido em janeiro de 1977, Rodrigo Aragão dirige seus filmes a partir de Guarapari, onde mora desde criancinha. Filho de um ex-mágico que também foi dono de cinema foi criado ao redor de truques e maquiagens. O estalo de que aquilo poderia ser o seu futuro veio cedo. Aos sete anos viu um documentário sobre o filme O Império Contra-Ataca. Estava lá tudo o que mais gostava: cinema e efeitos especiais, mesmo que não tivesse bem idéia do que significava. Era a década de 1980, quando chega às telas o cult The Evil Dead (A Morte do Demônio, 1981), clássico do terror que terminou por fazer sua cabeça. Desde então maquiagem e truques cênicos nunca tinham sido tão importantes na hora de se assustar alguém.
O laboratório onde este cientista maluco realiza suas experiências macabras encontra-se numa pequeníssima aldeia de pescadores em Guarapari, no litoral do Espírito Santo, chamada Perocão. É um lugar de sol, maresia e botecos regionais que, regularmente, são abatidos pelas “loucuras sangrentas” deste monstrólogo incurável. Em 2005 alguns vizinhos decidiram apostar em seu doido preferido financiando o curta-metragem Chupa-Cabras, que abriu caminho para que o estranho rapaz do mangue se transformasse no mais novo difusor do cinema de horror nacional. Chupa-Cabras foi produzido com apenas R$ 300 e ganhou prêmios em diversos festivais. Graças à massiva disseminação pela internet, o curta-metragem virou um hit em todo o país entre os fãs de splatter e abriu caminho (de acordo com o diretor) para a produção do seu primeiro longa-metragem, o gosmento e divertido Mangue Negro (2008).
Fora das telas, Rodrigo Aragão também atuou no espetáculo intinerante Mausoleum (2000), produziu efeitos especiais e maquiagem cênica em peças de teatro e ainda realiza oficinas em quase todo o território nacional. Mesmo se entregando de corpo e alma à sua arte, o diretor capixaba assume seu descontentamento com a falta de interesse do mercado brasileiro. “Aqui, o mercado não me dá espaço. Corri atrás de 20 distribuidoras, oferecendo meus filmes, topando até que fossem direto para DVD. Mas o preconceito contra quem faz cinema de gênero, sobretudo o terror, é grande. Faço filmes baratos, sem edital, e tenho reconhecimento no exterior. Mas as vias oficiais não me abrem portas”.
Mar Negro, o terceiro filme da canibalesca saga produzida pela Fábulas Negras Produções Artísticas (e o primeiro a ser exibido em circuíto comercial) estreou em casa, no Espírito Santo, no dia 17 de janeiro, mas outros estados também receberão a visita dos “mud zombies” de Perocão como o Rio de Janeiro, São Paulo, São Luís, Belo Horizonte e Salvador.
CONHEÇA A TRILOGIA CAPIXABA DA FÁBULAS NEGRAS
Título: Mangue Negro Ano: 2008 País: Brasil Direção: Rodrigo Aragão Roteiro: Rodrigo Aragão Elenco: Ricardo Araújo, Marcelo Castanheira, Kika de Oliveira, Walderrama dos Santos, Markus Konká, André Lobo, Antônio Lâmego, Maurício Ribeiro, Reginaldo Secundo, Julio Tigre.
Sinopse: Certo dia, em uma comunidade de pescadores e catadores tão pobre quanto fora do tempo, a natureza resolve mostrar seu lado macabro. Do manguezal de onde sai o mísero sustento emergem zumbis canibais. Ninguém sabe o que causa a “contaminação”. O que importa é fugir e sobreviver para fugir de novo. A cada mordida, pais, amigos e irmãos se transformam em criaturas abomináveis. Diante de um horror que não recua nem com a claridade do dia, que não poupa sequer peixes e crustáceos, um sobrevivente relutante e amedrontado se descobre hábil com o machado e péssimo na hora de se declarar para a morena que faz seu coração bater.
Pontos positivos: Mangue Negro foi o primeiro longa-metragem de Rodrigo Aragão, e custou em torno de R$ 70 mil. Os efeitos especiais e a maquiagem ficaram por conta do próprio diretor. Em uma entrevista, o diretor afirmou que foi autodidata e aprendeu as técnicas assistindo seus filmes preferidos e seus extras. O resultado deste estudo de campo lhe valeu o prêmio de efeitos especiais e direção em vários festivais. Mangue Negro recebeu o "Prêmio Audiência do Rojo Sangre", na Argentina, e fez parte da seleção oficial do "Sci Fi London" na Inglaterra.
Pontos negativos: Mangue Negro é um filme lindo por excelência. Mesmo sendo vitimado por ameaças sobrenaturais transmite toda a ingenuidade e garra do morador ilhéu. Os únicos pontos negativos (em minha humilde posição de espectador e fã de filmes de horror) foram as vozes dos personagens Seu Valdê (que achei jovial demais para o personagem) e a da mãe cega da Kika, a Dna. Alba.
Título: A Noite do Chupacabras
Ano: 2011 País: Brasil Direção: Rodrigo Aragão Roteiro: Rodrigo Aragão Elenco: Mayra Alarcón, Ricardo Araújo, Petter Baiestorf, Joel Caetano, Jorgemar de Oliveira, Kika de Oliveira, Walderrama dos Santos, Margareth Galvão, Markus Konká, Eduardo Moraes, Fonzo Squizzo, Alzir Vaillant, Cristian Verardi, Milena Zacché.
Sinopse: Um jovem casal retorna para a sua terra de origem, no interior do Espírito Santo. Quando chegam lá, Douglas reencontra os parentes transtornados pela misteriosa morte dos animais da fazenda, principalmente, porque acende uma antiga rixa entre famílias que acreditam tratar-se apenas de uma vingança pessoal. Mas um dos patriarcas acredita que algo mais sinistro está escondido entre as matas e a guerra entre os humanos vai encontrar um inimigo a altura, o Chupa Cabras, disposto a passar por cima de tudo para se alimentar do sangue de suas vítimas, não importando a qual família ela pertença.
Pontos positivos: Depois do relativo sucesso de Mangue Negro no circuito independente nacional e internacional, o diretor Rodrigo Aragão trabalhou na construção de seu mais novo pesadelo, A Noite dos Chupacabras. Este segundo filme é mais visceral que o seu antecessor. A trama deixou um pouco de lado o senso de humor oitentista de Rodrigo Aragão (visívelmente notado em Mangue Negro) para dar espaço a um nível técnico mais incrementado de filmagem e um roteiro mais complexo sobre uma briga territorial entre duas famílias, os Silva e os Carvalho. Apesar do título o verdadeiro monstro do filme e causa real de todo o banho de sangue recorrente não é a criatura (interpretada pelo magnífico Walderrama dos Santos) e sim o próprio Homem e sua ganância e sede de vingança. Destaque para a interpretação de Petter Baiestorf no papel de Ivan Carvalho e Margareth Galvão, como a Matriarca dos Carvalho.
Pontos negativos: A Noite do Chupacabras tinha tudo para ser um filme 100% aprovado. A única “mancha” desta obra-prima foi a integração do humor na cena da briga do bar, onde após comerem algumas porções de carne infectada, os Carvalho iniciam uma comédia no estilo pastelão onde saem vomitando em tudo e todos.
Título: Mar Negro Ano: 2013 País: Brasil Direção: Rodrigo Aragão Roteiro: Rodrigo Aragão Elenco: Mayra Alarcón, Carol Aragão, Ricardo Araújo, Petter Baiestorf, Ana Carolina Braga, Alexandre Brunoro, Joel Caetano, Kika de Oliveira, Roberta Mesquita Dias, Walderrama dos Santos, Diego Fernandes, Gisele Ferran, Tiago Ferri, Margareth Galvão, Gurcius Gewdner, Markus Konká, Foca Magalhães, Hermann Pidner, Leandro Sherman, Coffin Souza, Fonzo Squizzo, Agustín Tapia, María Laura Umaña, Alzir Vaillant, Cristian Verardi,Ernesto Valverde Villalobos, Milena Zacché, Mariana Zani e Marcelo Castanheira.
Sinopse: Uma estranha contaminação atinge uma pequena vila de pescadores. Quando peixes e crustáceos se transformam em horrendas criaturas transmissoras de morte e destruição, o solitário Albino luta pelo grande amor da sua vida, arriscando a própria alma numa desesperada fuga pela sobrevivência.
Pontos positivos: Mar Negro é uma crítica à extração do petróleo sem consciência ambiental. Assim como seus outros dois filmes compõe uma analogia de horror sobre o desrespeito à ecologia de uma região e seus arredores, que abrangem praia, mangue e montanhas. Neste último episódio da trilogia, Rodrigo Aragão e sua equipe deram um show de técnica, compensada pela excelente iluminação, direção de fotografia e direção de arte. Além das surpresas criadas pelo nosso monstrólogo de plantão (que não vou citar por aqui pra não quebrar o suspense!) que vão deixar os espectadores com um cão pulguento atrás da orelha o filme também conta com outras novidades como as espetaculares atuações de Cristian Verard, Marcos Konká e Mayra Alarcón (que jurei de pé junto que estava dublando alguma cantora na cena da boate). Outras cenas memoráveis também ficaram a cargo da atuação dos personagens políticos interpretados por Coffin Souza e Joel Caetano (que deveriam ter sido mais explorados) e da primeira cena de nu da trilogia feita pela estonteante Kika Oliveira como a personagem Indiara, o amor platônico de Albino (Walderrama dos Santos).
Pontos negativos: Não consegui notar uma trama principal como foi elaborada em Mangue Negro (onde Luiz leva um filme inteiro para se declarar ao seu amor) ou em A Noite do Chupacabras (onde o foco principal é a batalha entre duas famílias para acertarem algumas contas do passado). O longa-metragem tem várias tramas paralelas como fio condutor que deixa o espectador meio confuso. Não fica claro se o alicerce da história é sobre o caso dos pescadores que encontram uma sereia (Baiacu-Sereia), o dos frequentadores de um bordel na noite de sua inauguração ou se é sobre a investida amorosa do Albino. Com este excesso de elementos, Rodrigo Aragão acabou desenvolvendo uma narrativa difícil de acompanhar, apesar de extremamente divertida de assistir.