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Der Goldene Handschuh - 2019


A ressaca da Alemanha pós-guerra pode ser traduzida pelos personagens que abrigavam o degradante Bar Luva Dourada (Der Goldene Handschuh) no início dos anos 70. Prostitutas idosas e alcoolizadas, velhos decrépitos, marinheiros briguentos e ex-combatentes dividiam a atenção com garrafas de Schnapps e um homem horrendo, com a face deformada e intenções violentas. Um ambiente bastante movimentado, que mantinha as janelas fechadas para que ninguém visse a luz do sol, e permitia apelidos curiosos aos frequentadores, e se tornaria conhecido mundialmente por ter sido o local em que o perverso assassino Fritz Honka (1935-1998) usaria para selecionar suas vítimas. Entre 1970 e 1975, enquanto habitava um pequeno apartamento em Hamburgo, ele matou e esquartejou quatro mulheres, mantendo partes de seus corpos em um cômodo, e agrediu e violentou outras tantas, no reflexo tortuoso de uma sociedade ainda em reconstrução.


Inspirado no excelente romance de Heinz Strunk, publicado em 2016, o longa, muito bem dirigido por Fatih Akin (de Em Pedaços, 2017), já começa de maneira brutal ao mostrar Honka (Jonas Dassler, irreconhecível) numa tentativa de se livrar do corpo de Gertraud Bräuer. Ele tira todas as suas roupas e serra sua cabeça, dorso e membros, numa insinuação tão incômoda e agressiva que, mesmo com a trilha melosa do psicopata já sendo um alívio à sonoridade de sua ação, foi capaz de levar muitas pessoas a abandonarem a sessão no Reserva Cultural, na perspectiva de um possível retrato sujo, ousado e desagradável ao mais sensíveis. Honka voltaria ao espaço de seus poucos conhecidos para oferecer bebidas às mulheres solitárias e perdidas em troca de sexo, mas tinha consciência que teria grandes chances de ser rejeitado devido a sua evidente feiura.

Uma delas, mais uma desesperada e sem rumo, aceita acompanhá-lo até sua morada para beber e ter onde dormir. Gerda Voss (Margarete Tiesel) – que no mundo real se chamava Irmgard Albrecht – é constantemente agredida e violentada com itens da cozinha, que substituem a dificuldade de ereção de Honka. Ele aceita sua companhia pela limpeza oferecida no local, abrandando até mesmo o mau cheiro, e com a possibilidade de conhecer sua filha, Rosi, que ele a pede em contrato, obrigando-a a assinar. Sem ter uma imagem que possa ilustrá-la em sua mente distorcida, ele a enxerga como uma jovem que a ajudou com o isqueiro na entrada. A ingênua Petra (Greta Sophie Schmidt) passa a ser seu objeto de consumo, idealizando-a em seus pensamentos, além de uma paquera para o curioso Willi (Tristan Göbel).


O roteiro de Akin se divide em duas partes: expõe a violência misógina de Honka com absolutamente todas as personagens femininas que cruzam seu caminho, e mostra uma tentativa frustrada do protagonista de tentar uma vida normal após um acidente. Sem se preocupar com as datas dos acontecimentos ou com as possíveis causas de seu caráter disforme presente em sua biografia – aparentemente, só a embriaguez é a justificativa de suas ações -, a trama deixa de lado algumas curiosidades sobre o verdadeiro assassino como o fato dele ter dito que preferia mulheres baixas (pelo domínio corporal, uma vez que ele tinha apenas 1,68 de altura) e desdentadas para que elas não o mutilassem durante o sexo oral. Fritz Honka teve passagens por diversos orfanatos, e se casou em 1957 com Inge, com quem teve um filho chamado também de Fritz; depois da separação em 1960, muitos de seus vizinhos relataram o quanto era notável atitudes violentas entre eles. Foi após uma segunda separação que ele se mudou para Hamburgo, onde conseguiu emprego como faxineiro e segurança noturno.

Apesar da intensidade de sua narrativa com tons frios e deprimentes, Akin faz do Bar Luva Dourada um respiro à agressividade de Honka. Personagens como o soldado que perdeu um olho na guerra e outros destruídos emocionalmente (a conversa das três prostitutas com a religiosa é um exemplo) se apresentam como caricaturas da época, e podem trazer algumas doses de uma deformada simpatia para o espectador, carente de rostos agradáveis e amigos. Contudo, a força de sua adaptação está na atuação impressionante de Jonas Dassler, e nas cenas que envolvem o vilão com outras mulheres, despertando uma perturbação constante no público que já imagina o destino que poderão ter. Quando uma é salva por um tombo na rua ou por uma fuga esperta, é impossível não exprimir uma sensação de alívio.

Aquelas que adentram seu matadouro particular encontram um ambiente pequeno, poucos móveis, fotos de mulheres nuas pregadas pela parede e um fedor insuportável – tanto que o próprio Honka vomita quando acessa o compartimento de corpos. É um lugar tão deteriorado quanto a mente do psicopata, que aponta para os que questionam seus odores como responsabilidades da grande família grega do andar de baixo. É essa relação com os estrangeiros, ainda sobras do preconceito pós-guerra, que permite a Akin fazer rimas interessantes como na sequência em que o assassino decide calar uma senhora falante.


Lembrando outras produções “sujas” envolvendo assassinos em série como Henry: Retrato de um Assassino, de John McNaughton, e A Tortura do Medo, de Michael Powell, O Bar Luva Dourada é um trabalho passível de se tornar cult futuramente: recebeu muitas críticas negativas pelo seu caráter repulsivo e ousado, mas não deixa de ser, mesmo feio e desagradável, um brilhante retrato do período e de um assassino em série dos mais odiosos já vistos na Sétima Arte.


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