Il Gatto a Nove Code - 1971
Com o frisson causado pelo seu filme de estréia, "O Pássaro das Plumas de Cristal", lançado em 1970, Dario Argento não titubeou e lançou em 1971 dois filmes de uma tacada só: "O Gato de Nove Caudas" e "Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza". Esse trio inicial de sua carreira forma a chamada trilogia dos animais, onde todos os títulos continham bichos, pratica que ficou bem comum nos gialli a partir daí.
Em "O Gato de Nove Caudas" temos como um dos protagonistas o cego Franco Arno (Karl Malden) que vive com sua sobrinha, a pequena Lori (Cinzia De Carolis, que depois faria "A Noite dos Demônios" e "Cannibal Apocalypse"). Numa bela noite, essa dupla peculiar caminha pela calçada quando Arno ouve uma estranha conversa envolvendo uma chantagem, vindo de um carro estacionado. Na mesma noite, um instituto de pesquisas sobre genética, que fica ao lado do prédio onde o cego e sua sobrinha moram, é invadido por um estranho, que inclusive agride o guarda da portaria. Dos funcionários à polícia todos estão desorientados, pois parece que nada foi roubado.
No dia seguinte um dos pesquisadores do instituto morre num misterioso acidente, e, através de uma foto de jornal, é reconhecido pela sobrinha de Arno como um dos homens que estariam conversando no carro na fatídica noite. Frank Arno, que é ex-jornalista e ficou privado da visão após um acidente de carro, embora seja daqueles cegos que 'enxergam' melhor que muita gente boa de visão, entra de cabeça na investigação do caso. Para isso conta com a ajuda do repórter Carlo Giordani (James Franciscus).
As investigações levam Carlo até a filha do dono do Instituto, Anna Terzi (Catherine Spaak), com quem nosso jovial herói acaba estabelecendo um romance. E claro que em meio às investigações outros cadáveres irão aparecer. Até que o misterioso assassino comete a inconveniência de sequestrar a sobrinha de Arno, o cego moverá mundos e fundos até pegá-lo em um final clássico.
"O Gato de Nove Caudas", seguindo os passos do filme anterior de Argento, foi sucesso de bilheteria, embora seja sensivelmente inferior. A trama não é das mais empolgantes, e esse é seu ponto mais fraco. Fica evidente a tentativa do roteiro de subverter alguns clichês do giallo, estabelecidos pelo próprio diretor em seu filme anterior, mas que não funciona a contento. O filme apresenta alguns pontos mortos na narrativa, onde a duração de quase duas horas atrapalha.
Assim como no filme anterior, Argento aposta nos alívios cômicos, como a disputa em um bar de quem fala mais insultos. O diretor aqui se utiliza de trucagens, como a cena da morte na estação de trens, e o final fatídico do vilão. Também usa e abusa novamente da câmera subjetiva, fazendo papel de vilão e a estilização herdeira de Mario Bava.
Os detratores de Dario Argento reclamam muito das más interpretações em seus filmes. O diretor, mais preocupado com o impacto visual, se concentrando em ângulos e movimentos de câmera, sempre descuidam no quesito elenco, resultando em muitas interpretações artificiais que pode espantar os não iniciados no cinema desse singular autor. Agora "O Gato de Nove Caudas" tem um trunfo a seu favor: Karl Malden. Que me desculpem o Professor John McGregor de Donald Pleasence em "Phenomena" ou investigador aposentado Moretti de Max Von Sydow de "Slepless / Non ho Sonno" , mas o cego Frank Arno de Karl Malden é o melhor personagem da filmografia de Argento. E a relação deste com sua sobrinha é tão convincente que a cena final com a voz em off da garotinha chamando o tio é comovente. Só por Malden já vale o filme.
Temos ainda a boa trilha do Mestre Ennio Morricone que como em seus trabalhos no campo do giallo é puramente jazzística, ao contrário de seus maravilhosos experimentos em explosões vocais e instrumentais nos spaghetti westerns. Nesses mistérios italianos quem se deu melhor foi seu amigo, e parceiro de vários trabalhos, Bruno Nicolai, é só conferir a trilha de “Todas as Cores do Medo”.
O título traz um duplo sentido, que se refere tanto à trama, que envolve pesquisas genéticas, como poderia se referir ao chicote homônimo com nove pontas, bem conhecido pelos praticantes de BDSM, o que tem muito tudo a ver com o universo do giallo, essa versão pervertidamente italiana dos mistérios ingleses do whodunnit.
"O Gato de Nove Caudas", embora inferior ao "O Pássaro das Plumas de Cristal", ainda assim é um giallo digno e que merece ser visto.
O Gato de Nove Caudas (Il Gatto a Nove Code / Cat o' Nine Tails, Itália / França / Alemanha ocidental, 1971) Direção: Dario Argento Com: James Franciscus, Karl Malden, Catherine Spaak, Pier Paolo Capponi, Horst Frank, Rada Rassimov, Aldo Reggiani, Cinzia De Carolis.