Inferno Carnal - 1977
José Mojica Marins estava em um período ainda mais fértil de produção cinematográfica na década de 70. Já era um cineasta reconhecido pela idealização de um cinema autoral, com elementos de fantasia e horror, tendo realizado filmes importantes e ousados, ainda que com recursos mínimos. Aventurou-se por estilos diversos, abraçando a fase da pornochanchada brasileira, sem pudor na exposição de corpos e erotismo. Inferno Carnal não está entre os destaques de sua filmografia, mas traz algumas de suas características de estilo e construção, e apresenta um final surpreendente, ainda que não faça muito sentido.
Durante boa parte do início de suas contribuições para o cinema, Mojica atravessou dificuldades financeiras. A confecção de Inferno Canal evidencia essa condição, tendo sido realizado a partir de favores, vaquinhas e o apoio do distribuidor Alfredo Cohen. No livro “Maldito“, é possível entender esse processo: “A produção era tão pobre que o almoço da equipe foi o queijo provolone que havia sobrado da festa do Viola de Ouro, cinco meses antes.” E o próprio filme deixa transparecer a falta de recurso na dificuldade em representar adequadamente um cientista rico até mesmo na concepção de sua moradia e seu laboratório com o resultado de seus experimentos em um pote de maionese.
Inferno Carnal é uma adaptação ampliada de um episódio do programa O Estranho Mundo de Zé do Caixão, intitulado A Lei do Talião, com exibição em agosto de 1969 pela TV Tupi, a partir de um argumento do genial Rubens Lucchetti e atuações de José Parisi e Irene Ravache. Como a base do enredo é simples, a segunda versão se alonga através de sequências repetidas, flashbacks, recortes de bailes e cenas em que nada acontece. Mas era uma oportunidade de trazer alguns trocados para Mojica continuar alimentando a indústria cinematográfica e principalmente realizar Delírios de um Anormal, em 1978.
Trata-se de um filme de traição e vingança. O cientista Dr. George Medeiros (Mojica) passa muito tempo em seu laboratório no desenvolvimento da fórmula de um poderoso ácido, sem dar as devidas atenções a esposa Raquel (Luely Figueiró), que aproveita a liberdade dada pelo marido para se envolver com o amigo Oliver (Oswaldo De Souza). Ambos planejam o assassinato de George, em um acordo que não traz nenhuma ação mirabolante: ela dispensa os empregados, combina com o amante o horário de sua visita, invade o laboratório e procura entre os experimentos o tal ácido desenvolvido. Não é difícil encontrar pois ainda há o alerta característico de “perigo” na estante. Ela joga sobre o rosto de seu marido, que grita de dor com o rosto em carne viva, sobrando para Oliver o último ato, incendiando o laboratório como aconteceria posteriormente com Darkman.
Oito meses depois, George tem alta no hospital, e retorna para sua moradia, agora com a ausência de Raquel. Nos encontros com Oliver, ela o abastece com dinheiro de seu marido, sem imaginar que seu amante está gastando os valores com mulheres que conhece nas baladas. Avisado da situação, ainda assim o marido traído e quase assassinado diz por diversas vezes que ela deve ter todo o dinheiro que precisar. As cenas dos encontros de Oliver com amantes são intercaladas com a de uma moça sendo seduzida em diversos momentos por uma sombra com unhas grandes ao estilo Nosferatu. Mas como isso seria possível, se George esteve hospitalizado pelas deformidades, usando até mesmo uma máscara para esconder o rosto, e a sombra demonstra ter barba e a aparência do cientista antes de ter sido atacado? A resposta virá numa surpresa no ato final, um plot twist que impede que o longa seja completamente esquecível.
Pouco depois da realização de Inferno Carnal, José Mojica Marins, fumando maços e maços de cigarro, bebendo e comendo refeições gordurosas, sofreu um enfarte. Mesmo hospitalizado, ele aproveitou para divulgar seu filme, convocando a imprensa com dizeres de que teria “morrido por quatro minutos” e “agora poderia fazer filmes de terror muito melhores“. Mojica realmente sabia como fazer seus trabalhos atraírem olhares, mesmo que usasse suas aparições nos jornais para criticar a mídia e seus credores, chamando-os de “máfia“.
Com fotografia muito escura e diversas falhas técnicas, Inferno Carnal faz parte da trajetória cinematográfica de José Mojica Marins, divertindo os fãs de horror com suas interpretações exageradas, falas dubladas e poucos recursos. Seria um filme ruim, sem o carisma do diretor e todo o contexto que o envolve. Conhecendo seu legado, é mais um exemplar de sua idealização, um guerrilheiro do cinema marginal e a gênese do horror brasileiro. Quem quiser vê-lo, está disponível na plataforma Looke.
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