Dracula A.D. - 1972
Os anos setenta do século passado não foram muito generosos com a produtora Hammer, que na década anterior tinha revolucionado o cinema de horror, com o sangue escorrendo por decotes de camisolas transparentes em cores berrantes. O público parecia que estava cansado dos monstros clássicos e da atmosfera gótica (ou camp, como diria os detratores da produtora). O negócio seria inovar. A solução encontrada foi trazer o famoso vampiro para os tempos modernos, com Drácula mordendo pescoços na swing London, nos resquícios da era do Flower Power. E ainda trazia a dupla Christopher Lee e Peter Cushing nos papeis principais – eles não se enfrentavam na série desde o primeiro filme, em O Vampiro da Noite no longínquo ano de 1958.
Na verdade a produtora usou um golpe de oportunismo, aproveitando a popularidade do caso do cemitério de Highgate, em Londres. Que na virada de 1969 para 1970 teria sido habitada por um vampiro, supostamente ressuscitado num ritual de magia negra, com casos da polícia londrina inclusive ter prendido caçadores de vampiros armados de alho e estacas de madeira no interior do cemitério! Na verdade a ideia de ressuscitar um vampiro em um ritual macabro já tinha sido utilizado num filme anterior da produtora, O Sangue de Drácula (1970), realizado em pleno calor do caso de Highgate. Nada se cria tudo se copia, inclusive dentro da própria Hammer. Assim surgiu Dracula 1972 AD, mais tarde rebatizado como Dracula Today em exibições no canal norte-americano CBS, e acabou ganhando nos cinemas brasileiros o risível título de Drácula no Mundo da Minissaia (mais tarde seria exibido no SBT como O Discípulo de Drácula).
No filme anterior, O Conde Drácula, a ordem cronológica da série tinha ido para as cucuias. Sendo assim, este Dracula 1972 AD começa com o vampiro se engalfinhando numa luta com o seu arquiinimigo, Professor Van Helsing numa carruagem descontrolada, que acaba colidindo numa árvore. Com metade da roda de madeira cravada no corpo, Drácula acaba sendo destruído. E um homem misterioso acaba colhendo suas cinzas. Van Helsing também não dura muito, e no seu enterro vemos o homem misterioso enterrando as cinzas de Drácula no mesmo cemitério.
Pula para o ano de 1972. Temos então uma festa num apartamento, com direito as velhas britânicas chocadas e uma banda tocando (chamada Stoneground, a produção queria o The Faces, banda que revelou Rod Stewart, mas acabou não levando). Com a chegada da polícia o grupo de jovens vândalos acaba fugindo, indo parar no pub onde costuma se reunir. E é no pub que o grupo debate sobre buscar novas emoções. Nisso o misterioso Johnny Alucard (Christopher Neame) sugere um ritual satânico numa igreja abandonada. Sim, isso já foi visto em O Sangue de Drácula, porém com velhos aristocratas hipócritas no lugar de jovens hippies.
Curiosamente nesse grupo de jovem está Jessica Van Helsing (Stephanie Beachman), cujo avô também é professor Van Helsing, tal qual seu antepassado (obviamente interpretado por Cushing novamente). Johnny Alucard reúne o grupo nas ruínas de uma igreja e começa o culto satânico, numa cena bem climática, com direito a ventos e trilha da música “The Black Mass: na Electric Storm in Hell” da banda eletrônica/experimental White Noise, gravada em 1969.
Com a ressurreição de Drácula, a primeira vítima do conde será a bela jovem espevitada Laura (Caroline Munro). Os planos do vampiro será casar com a jovem Jessica, realizando assim seu maquiavélico plano de vingança contra a linhagem dos Van Helsing, uma família que o atormenta há mais de século. O avô Van Helsing contará com a ajuda do cético inspetor Murray (Michael Coles, que repetiria seu papel no filme seguinte da franquia, o infame Os Ritos Satânicos de Drácula).
Apedrejado pelos fãs mais ortodoxos, claro que Dracula 1972 AD é uma tranqueira divertida, e é melhor do que pode parecer a princípio. Christopher Lee e Peter Cushing continuam impecáveis. Os dois atores têm o carisma e a fleuma suficiente para dar credibilidade aos diálogos mais absurdos.
Quem espera ver o vampiro andar com sua capa esvoaçante nas ruas de uma metrópole apinhada de calças bocas-de-sino e cabelos Black Power, é melhor desistir. Infelizmente o roteiro limita Drácula apenas dentro de seu covil, a igreja em ruínas. O choque cultural entre o vampiro e a vida moderna seria explorada na comédia Amor à Primeira Mordida (1979), em que o Drácula canastrão, de George Hamilton, andaria pelas ruas de Nova York, depois de ter sido expulso de seu castelo na Romênia (antiga Transilvânia) pelos comunistas
Um dos destaques do filme é a presença magnética de Caroline Munro, que trabalhou em duas produções da Hammer (além deste, ela aparece no ótimo Capitão Kronos – O Caçador de Vampiros). Com uma carreira cultuada, Caroline é uma das mais belas atrizes do cinema, e que curiosamente nunca fez uma cena de nudez por causa de seu marido na época, Judd Hamilton, que era muito ciumento.
A direção do filme era para ter sido entregue a Paul Annet (que depois faria para a Amicus a bomba A Fera deve Morrer), mas caiu nas mãos de Alan Gibson, cuja carreira é mais voltada para a televisão. Gibson conduz com alguma eficiência (principalmente se compararmos com o filme seguinte, Os Ritos satânicos de Drácula, também dirigido por ele). O filme tem cenas dignas, como a supracitada sequência da missa negra, e o confronto entre Van Helsing e Johnny Alucard.
Menos ridículo e cafona do que o esperado, ao mesmo tempo em que não consegue o equilíbrio entre o gótico e o psicodélico, Dracula 1972 AD, hoje associado a franca decadência da Hammer, não é tão terrível quanto à fama que o precede, pelo contrário, melhora numa revisão. Para os fãs do terror vale a pena dar uma chance para essa versão moderna do mito do vampiro.