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Condado Macabro - 2015


O texto a seguir pode conter spoilers.


Dizer que o horror é raro no cinema brasileiro é uma “inverdade”, pois quem acompanha as produções do gênero a fundo sabe que a sombra do horror não abandonou o Brasil. Conhecido por aqui pelo estilo “trash” de José Mojica Marins (criador dos clássicos À Meia-Noite Levarei Sua Alma – 1963 e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver – 1966 e do icônico personagem Zé do Caixão) e, ás vezes, pela alcunha de “terrir” (talhada pelo cineasta Ivan Cardoso, criador de pérolas como O Segredo da Múmia – 1985, As Sete Vampiras – 1986 e Um Lobisomem na Amazônia – 2005 entre outros) nossas películas sangrentas sempre estiveram assombrando, mesmo que timidamente, as salas de cinema e festivais pelo país afora e isso sem citar as pornochanchadas que flertaram com o gênero nos anos 80/90 como A Reencarnação do Sexo (Luiz Castillini, 1981) e Olhos de Vampa (Walter Rogério, 1996). Outros “fazedores de monstros” utilizaram-se deste alicerce para criar seus mitos e cineastas como Rodrigo Aragão, Peter Baiestorf e Joel Caetano trouxeram à terra brasilis seus pesadelos como (os também clássicos) Mangue Negro (2008), Zombio 2: Chimarrão Zombies (2013) e Judas (2015).


Infelizmente, vejo uma super saturação do “brasileirismo” nas produções alternativas do gênero e isso meio que me chateia um pouco. Assim como eu, quase todos os fãs do estilo sangrento da Sétima Arte são fielmente apegados aos trejeitos e estereótipos do velho cinema estadunidense e mudar radicalmente esta fórmula meio que desvirtua um estilo que faz sucesso por si só. Seria como tentar criar (com o intuito de valorizar o produto) uma zebra pintada, mas graças aos deuses do Gore isso não acontece com Condado Macabro!


Adaptado de um trabalho da época da faculdade, esta produção é uma linda homenagem aos slasher movies das décadas de 70 e 80, carregando toda a estética dos filmes de terror gringos, mas que preserva gradativamente características regionais não ficando nem muito gringo e nem muito “abrasileirado”. Condado Macabro teve um parto complicado, levando 13 anos para se tornar um longa-metragem e foi remodelado (como uma variedade do monstro de Frankenstein) para a época, enxertando novos personagens como os palhaços Cangaço (Francisco Gaspar) e Bola 8 (Fernando de Paula).

A trama gira em torno do velho clichê slasher: um grupo de jovens com hormônios em fúria sai com seu furgão para passar as férias em uma casa no campo. No decorrer da viagem, eles dão carona para um cansado palhaço de rua que, junto com seu parceiro, sobrevive de pequenos golpes e furtos e decide fazer a limpa na molecada. O que ambos não sabem é que “aquela carne” já está sendo cobiçada por outros olhos na escuridão dos campos…


Hmmmm… sinto que você deve estar perguntando. – “Onde foi que eu já vi isso?


Sim, você já viu isso. De acordo com os realizadores do filme, Condado Macabro é uma clara homenagem ao clássico Massacre da Serra Elétrica (Tobe Hooper, 1974) contando inclusive com a sua própria versão de Leatherface, o brutamontes com máscara de porco Jonas (Beto Brito) e parentes ensandecidos como a assustadora irmã com máscara de boneca interpretada por Marcela Moura. Os diretores tiveram também a brilhante ideia de não copiar escrachadamente os hábitos da Família Hewitt, transformando os vilões da trama em caçadores de “ração humana” para alimentar sua criação de porcos ao invés de canibais.

Como resto do elenco a equipe optou por encaixar uma trupe de adolescentes no melhor estilo “Porky’s”:


• Beto (Rafael Raposo) é o escroto estilo “comedor” que quer trepar de qualquer jeito e que todos nós torcemos pra que morra logo, pois somente assim as piadinhas infames seriam silenciadas junto com ele; • Theo (Leonardo Miggiorin) é o “virjão” certinho do role; • Mari (Larissa Queiroz) é a irmã gostosa de Theo e a personagem mais insossa em termos de personalidade; • Vanessa (Olivia de Brito), ou Vanessão, é a “gordinha” fã de música brega que aparece somente pra ser trollada; • Lena (Bia Gallo), a “putiane” do rolê, que nada tem das castas heroínas virginais dos filmes de assassinos slasher, e que parece um amálgama de Sally (Marilyn Burns) com Wendy Torrance (Shelley Duvall).

Algumas pessoas não curtiram a ideia da história ser contada por meio de uma narrativa não linear, mas assumo que isso foi um charme à parte no filme. A atuação de Francisco Gaspar no interrogatório de Cangaço pelo investigador Moreira (Paulo Vespúcio, que estava quase me fazendo chutar o monitor de raiva com aquela voz rouca e falsa de “tira mau”), é hilária e densa ao mesmo tempo. Infelizmente o senso de humor no decorrer do filme também foi um caroço indesejável neste angu. Caso este fosse moderado e não espalhado como confete por quase todo o filme, Condado Negro seria um pesadelo inesquecível de sangue e devassidão para os fãs do gênero. Toda a estética “velha” enxertada pelo uso de granulado, emulsão etc (que muitos odiaram, mas garantiu um brilho a mais na fotografia e dinâmica do filme) ficava obscurecida pelo atropelo sem dó de piadinhas estilo “programinhas de humor da Globo”. Me senti como se tivessem gravado A Turma do Didi ou Zorra Total no meio da minha fita de filmes de terror…

Mesmo tropeçando em alguns quesitos esta produção recebeu com louvor o prêmio do júri de Melhor Filme Brasileiro no Fantaspoa e foi exibido em festivais internacionais no México, Espanha, Holanda e Argentina além da produção de um livro em 4 de fevereiro de 2016.

Apesar do longa falhar naquilo que é mais importante: construir uma narrativa que prenda a atenção do espectador, apesar de alongar absurdamente tomadas que poderiam ser resolvidas com menos blá-blá-blá, Condado Macabro assumiu a bronca de produzir um filme que vai tingir de vermelho a história do horror nacional e aquela maldita “coisa” que Cangaço faz com os dedos já enraizou no inventário macabro do cinema de gênero tão profundamente como as unhas do Zé do Caixão ou as garras metálicas de Freddy Krueger.


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