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Dellamorte Dellamore - 1994


A década de 1990 foi impiedosa. Marcou o fim do ciclo de filmes de horror italianos que reinavam há 30 anos. Por motivos diversos, o declínio do terror spaghetti, assim como o cinema de gênero carcamano em geral, teve sua pá de cal na primeira metade da fatídica década. Embora algumas tentativas razoavelmente sucedidas aparecessem aqui e acolá, o estrago já estava feito. Considerados por muitos como os últimos suspiros de qualidade foram “Dark Waters” (1993) de Mariano Baino e “Pelo Amor e Pela Morte” (Dellamorte Dellamore, 1994) de Michele Soavi.

Michele Soavi foi assistente de direção dos mestres Dario Argento e Lucio Fulci, entre outros, e “Dellamorte Dellamore” foi seu quarto longa-metragem. Uma obra única que mistura horror, humor negro e surrealismo como poucos. Além de dar um sopro de originalidade nos batidos filmes de mortos-vivos.

“Dellamorte Dellamore”, segundo o próprio Soavi: “é a história da impossibilidade do personagem de sair do seu mundo interiorano, provinciano, desse mundo de pequenezas e miserabilidades da vida”.

Francesco Dellamorte (o inglês Rupert Everett) é o faz-tudo de um cemitério de uma pequena cidade italiana chamada Buffarola, coveiro, vigia e administrador, ele tem como ajudante Gnaghi (o francês François Hadji-Lazaro), um sósia do Curly de “Os Três Patetas” com necessidades especiais. A dupla toca o cemitério como pode. Eles passam por uma fase complicada, pois todas as noites aparecem mortos que se levantam dos túmulos e que só podem ser detidos com tiros no cérebro ou outros métodos que destruam a cabeça desses zumbis.

Francesco não se pergunta o porquê dos mortos reviverem, ele apenas vai aniquilando-os, seguindo assim todas as noites. A única reclamação quanto a isso é de que estaria fazendo hora extra não remunerada.

Em meio a essa rotina sui generis, ele conhece uma jovem viúva que visita o túmulo do marido (interpretada pela deslumbrante finlandesa naturalizada italiana Anna Falchi). É paixão a primeira vista. A moça acaba sendo mordida pelo seu finado marido, agora zumbi, morre e Francesco fica inconsolável. Entre outras peripécias surreais, Gnachi se apaixona pela cabeça decepada da filha do prefeito, um motoqueiro ressurge saindo de seu túmulo de motocicleta, (aqui poderia ser a conjunção aditiva “e” e não vírgula) Francesco conhece outras duas “encarnações’ de sua amada morta. Nosso protagonista também é instigado pela morte a economizar trabalho matando vivos, dando tiro na cabeça das pessoas. Em meio a tudo isso cresce em Francesco a vontade de sair de sua cidade e conhecer o mundo exterior.

O que salta os olhos em “Dellamorte Dellamore” é a forte estilização, uma obra de grande requinte visual, verdadeiras pinturas, onde em meio a todo horror se sobressai momentos de pura poesia. Como a cena do casal em cima do túmulo rodeado pelas luzes de fogo-fátuo.

O roteiro foi escrito a quatro mãos por Gianni Romoli e Tiziano Sclavi, baseado no livro deste último. Aliás, Sclavi depois criaria um clássico dos fumetti (como são chamados os gibis na Itália), o personagem Dylan Dog, com a aparência de Rupert Everett, e trocando o ajudante, de um sósia de Curly para um do Groucho Marx. Referências à parte, o roteiro é carregado de melancolia e um tom filosófico. Sempre trabalhando com a dicotomia, amor e morte. Segundo o próprio Rupert Everett, “é um filme pessimista, assim como a vida”.

Além da já citada cena do fogo-fátuo, outra cena antológica é a da cabeça da filha do prefeito que sai de dentro da TV quebrada e literalmente voa até o pescoço do prefeito. Anos depois Rupert Everett teria reencontrado Michele Soavi e lhe proposto um remake norte-americano que, felizmente, nunca foi realizado. Sinceramente, Hollywood não saberia o que fazer com esse material. Vale mencionar que na época, 1994, Soavi chegou a receber proposta de produtores norte-americanos, com a condição de Matt Dillon para ser o protagonista, o diretor recusou.

Poético, inteligente e instigante “Dellamorte Dellamore” é imperdível e, infelizmente, fecha, com chave de ouro, uma era de grandes obras para o horror mundial.


Pelo Amor e Pela Morte (Dellamorte Dellamore / Cemetery Man, Itália / França / Alemanha, 1994) Direção: Michele Soavi Com: Rupert Everett, François Hadji-Lazaro, Anna Falchi, Mickey Knox, Fabiana Formica.

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