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Zombi 2 / Zombie - 1979


Eis a prova de que um projeto inicialmente picareta, mal intencionado, sem vergonha e com produção beirando a indigência, quando cai nas mãos certas pode se tornar uma obra primorosa, arrebatadora e inspiradora. Um clássico definitivo do cinema de horror e um dos melhores filmes de zumbis de todos os tempos!

Com o estrondoso sucesso de “Dawn of the Dead” de George Romero em terras italianas, batizado por lá como “Zombi” (vale lembrar que o filme era uma co-produção entre EUA/Itália, sendo Dario Argento e familiares que assinaram a produção), rapidamente inescrupulosos produtores locais resolveram soltar um “Zombi 2”, que obviamente nada tinha a ver com o original, apenas capitalizaram em cima do espectador incauto.

Para esse filme, os produtores resgataram um roteiro sobre zumbis no Caribe, escrito por Elisa Briganti. Fizeram uns ajustes para ligá-lo a “Dawn of the Dead” (a cargo do roteirista-mor do cinema de gênero italiano Dardano Sacchetti, não creditado), e lançá-lo como um prequel, contando os acontecimentos que antecederam o filme de Romero (o fato do próprio “Dawn...” ser uma continuação de a Noite dos Mortos-Vivos foi apenas um detalhe ignorado pelos produtores italianos). Faltava apenas o diretor. A escolha inicial seria de Enzo G. Castellari (“Keoma”, “Fuga do Bronx”, “O Último Tubarão”), mas este recusou, alegando não ser exatamente um fã do cinema de horror. Castellari, porém indicou um amigo seu: Lucio Fulci. E assim saiu “Zombi2” (mais conhecido internacionalmente apenas como “Zombie”). O resto é história.

A trama trata de um barco desgovernado que chega a baía de Manhattan, agentes da polícia de Nova York param o barco para investigar, depois de encontrarem vermes e pedaços de cadáveres a bordo, são atacados por um zumbi obeso (interpretado pelo Capitão Haggerty, pseudônimo de Arthur Haggerty, um ex-militar norte-americano que ficou famoso por revolucionar o adestramento de cães, e vez em quando fazia bicos para o cinema).

Com o zumbi abatido e caído ao mar e os policiais mortos e mandados para o necrotério mais próximo, o barco acaba sendo isolado no porto, o que acaba despertando a curiosidade de um editor de um jornal nova-iorquino (Lucio Fulci em uma de suas costumeiras pontas em seus filmes). Farejano um furo de reportagem, o editor encarrega o repórter Peter West (o escocês Ian McCulloch) para investigar o caso. Não demora nosso intrépido repórter encontra Anne Bowles (Tisa Farrow, irmã de Mia e aqui está a cara da irmã), a filha do dono do misterioso barco, um cientista excêntrico que a muito foi morar numa obscura ilha do Caribe.

Peter e Anne resolvem então irem até a ilha reencontrar o pai dela. No caminho conhecem outro casal, formado por Brian Hull (Al Cliver, ator nascido no Egito, mas de pais italianos, seu verdadeiro nome é Pierluigi Conti) e Susan Barrett (Auretta Gay). O que eles não sabem é que estão se dirigindo para uma ilha infestada de zumbis.

Eles notam que as coisas estão esquisitas quando, próximo à ilha, Susan resolve dar um mergulho no mar, para fotografar peixes e nadar seminua, em uma das cenas mais surreais e espetaculares do cinema, a bela moça se encontra, embaixo d’água, entre a cruz e a espada, na verdade entre um tubarão e um zumbi, que aparentemente estava vagando no fundo do mar! A moça consegue escapar e o zumbi acaba travando uma luta com o tubarão. A sequência é tão espetacular e sem noção que se perdoa algumas falhas aqui, como um crasso erro edição onde vemos numa hora o zumbi sem um dos braços, logo o braço reaparece como milagre, e por fim o tubarão arrancando o braço do morto-vivo. Embaralharam tudo! Outro erro é de continuidade, com o zumbi arrancando um naco de carne do peixe, enchendo a água de sangue, para logo em seguida o tubarão reaparecer inteirinho e a água cristalina. Isso sem contar a maquiagem do ator que parece pronta a se desprender a qualquer momento. Apesar dessas falhas evidentes, é uma cena antológica, daquelas que empolgam os fãs do cinema fantástico.

Toda a luta entre o zumbi e o tubarão foi filmada num tanque no México. Utilizaram um tubarão dopado a base de carne de cavalo com drogas, e a sequência estava para ser comandada pelo famigerado René Cardona Jr., do não menos famigerado clã dos Cardonas, família muito envolvida com o cinema exploitation mexicano, e que tinha realizado em 1977 o infame Tintorera! Onde utilizava tubarões reais. O problema é que René adoeceu e a cena acabou sendo realizado pelo fotógrafo e domador de tubarões Ramon Bravo, que aqui vestiu os farrapos do zumbi.

Depois desse encontro inusitado, e com o barco avariado, nosso quarteto de protagonistas chega a nada segura terra firme, onde conhecem o Dr. Menard (Richard Johnson, que em seus dias de glória trabalhou no clássico terror hollywoodiano “Desafio do Além”). O cientista local está atordoado, procurando uma explicação racional para o fato dos mortos se levantarem das suas tumbas. Os nativos locais atribuem esse acontecimento insólito a pratica de vodu (embora não se veja nenhum feiticeiro o filme inteiro, é marcante os sons tribais de tambores ao longo das cenas na ilha). Obviamente que a essa altura do campeonato Anne já sabe que seu pai está morto, tendo sido uma das primeiras vítimas da maldição dos mortos-vivos.

Entrementes a jovem e bela esposa de Menard (interpretada pela grega Olga karlatos) está em casa sendo cercada por zumbis, ela acaba sendo atacada, não sem antes ter uma cena de banho, com nudez gratuita, naturalmente. A sequência em que a moça é atacada, sendo sua cabeça puxada pelos cabelos através de um buraco numa porta de madeira, fazendo om que uma farpa perfure seu olho, é outra sequência antológica na cinematografia de zumbis. E também é outra cena com falhas, no close decisivo se vê claramente que olho furado é de um boneco tosco, denunciando a pobreza da produção. Mesmo assim é uma cena que dá arrepios de olhar.

Como se não bastasse os morto-vivos nativos, nossos heróis ainda esbarram em um antigo cemitério espanhol, justamente no momento em que os mortos estão ressuscitando, saindo dali os zumbis mais podres e encarquilhados visto até então (o famoso morto que estampa o pôster internacional do filme chegou à preciosidade de usar minhocas por cima da máscara do ator).

Os sobreviventes acabam sendo cercados numa velha igreja, onde combaterão um número cada vez maior de zumbis, utilizando armas e coquetéis molotovs. E como todo filme de zumbi que se preze a conclusão é apocalíptica.

Lucio Fulci estava no auge da criatividade, empilhando cenas gores e criativas, uma atrás da outra. Se transformando assim, num mero imitador de George Romero para uma referência definitiva do gênero horror.

“Zombie” acabou sendo um divisor de águas na carreira do diretor. Fulci já tinha experimentado diversos gêneros, como drama histórico (“Beatrice Cenci”), comédias eróticas (“O Deputado Erótico”, “La Pretora”), spaghetti-westerns (o psicodélico e brutal “Os Quatro do Apocalipse” e “Sela de Prata”), e claro, gialli (entre outros: “Sette Note in Nero”, “Uma Lagartixa num Corpo de Mulher” e o polêmico “O Segredo do Bosque dos Sonhos”, que lhe rendeu uma excomunhão da Igreja Católica), mas o Godfather of Gore, como ficaria conhecido, ainda não tinha trabalhado com o terror sangrento. Lucio Fulci, um ex-estudante de medicina criou um desfile de sangue e membros decepados é o pai dos cadáveres putrefatos, até então os zumbis no cinema tinham uma aparência mais limpa, de quem acabou de morrer.

Fulci, depois de “Zombie” entrou de cabeça no cinema gore, criando obras como “Pavor na Cidade dos Zumbis”, “Terror nas Trevas”, “A Casa do Cemitério”, além de “The New York Ripper”, talvez o giallo mais brutal da história.

Outro destaque de “Zombie” é o maquiador Giannetto De Rossi, que embora já fosse veterano por aquela época, inclusive já tendo trabalhado com Fulci, também estreava aqui no cinema de horror gore. Driblando o orçamento limitado com criatividade, De Rossi é o outro grande nome por trás do sucesso do filme.

A trilha sonora de Giorgio Cascio (creditado como Giorgio Tucci) e Fabio Frizzi (com uma ajudinha não creditada de Adriano Giordanella e Maurizio Guarini) é antológica. A melodia de sintetizadores gruda como chiclete na mente, e as batidas tribais também são marcantes e climáticas.

Apesar da trama extremamente simples, o roteiro sofre o mesmo de tantos outros do cinema de gênero italiano da época, ele não possui furos, possui crateras. Por exemplo: não explica qual o motivo de colocar alguns cadáveres num barco e levá-los para o continente.

De qualquer forma a sacada mais brilhante foi estabelecer a conexão do morto-vivo antropofágico criado por George Romero, a partir do seminal “A Noite dos Mortos-Vivos”, com o zumbi das lendas haitianas, criaturas revividas através do vodu, e que já renderam clássicos como “White Zombie” e “I Walked with a Zombie”. Ponto para os italianos.

As filmagens de “Zombie” geraram algumas histórias folclóricas. Como nas locações na Republica Dominicana (que se passava pela fictícia ilha caribenha), onde os zumbis extras eram recrutados entre os bêbados e mendigos locais. Os extras ficavam enfileirados, enquanto Giannetto De Rossi ia colocando lama e sangue, e mandava-os para frente das câmeras, o cachê deste pessoal seria providenciais garrafas de uísque. Além disso, também foram usados como zumbis os irmãos Alberto, Arnaldo, Ottaviano e Roberto Dell'Acqua. Como os quatros são muito parecidos, muitos acreditam que os zumbis interpretados pelos irmãos eram a mesma pessoa!

Outra história envolve as filmagens em Nova York. Depois de gravar suas cenas, Arthur Haggerty, provavelmente de brincadeira, foi até o lendário bar CBGB, berço o punk nova-iorquino, com sua maquiagem de zumbi completa, sangue falso e lama endurecida por todo o rosto e corpo. Em meio aos punks do local, ele mal foi notado. Até mesmo o bartender não teria olhado duas vezes para ele!

Desde que foi lançado, “Zombi2” não só ganhou outros títulos como “Zombie”, “Zombie Flesh Eaters”, “Island of the Living Dead”, “Woodoo”, “Zombie 2: The Dead are Among U s”, etc.

Assim como o título mudava, também a obra foi mutilada ao longo dos anos, recebendo tesouradas aqui e ali, seja no gore, seja na nudez. Inclusive a obra, quando foi parar na Inglaterra, foi diretamente para a famigerada lista negra dos “Videos Nasties”. A versão mais completa que se encontra atualmente é a da restauração feita pela Anchor Bay, que serviu de cópia para a edição lançada no Brasil pela Words DVD, anos atrás como “Zombie - A Volta dos Mortos” (nos cinemas brasileiros foi lançado como “Zumbi 2 – A Volta dos Mortos”).

Um filme que seria uma cópia picareta acabou ela mesma virando referência e sendo copiada até hoje! Ironicamente este falso “Zombie 2” acabou gerando uma infinidade de “Zombie 3”! A ‘terceira’ parte só aconteceria em 1988, também conhecida como “Zombie Flesh Eaters 2 “ (o que aumenta ainda mais a confusão. Esta sequência iniciou as filmagens com um Fulci adoecido e abandonando as filmagens, sendo completada pelos incompetentes Claudio Fragasso e Bruno Mattei. O resultado: uma das maiores bombas do cinema!)

“Zombie” é um trabalho destruidor. Uma aula de como fazer um filme gore com baixo orçamento e criatividade transbordante. Clássico obrigatório para qualquer fã de horror.

Zombie - A Volta dos Mortos (Zombi 2 / Zombie, Itália/1979)

Direção: Lucio Fulci Com: Tisa Farrow, Ian McCulloch, Richard Johnson, Al Cliver, Auretta Gay, Olga Karlatos, Stefania D'Amario, Arthur Haggerty.


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