Eaten Alive! (Mangiati vivi!, 1980)
Quando a carne humana entrou para o menu do gênero fantástico, a Itália soube preparar as melhores refeições. Havia resquícios, um aperitivo, pode-se dizer, dessa tendência antes da década de 70, mas eram produções mais voltadas para a aventura na selva com a popularidade de guerreiros heróicos como Tarzan, estrelados por Johnny Weissmuller. Em pesquisas na net, há referências que apontam como prato inicial o thriller selvagem A Prova do Leão (The Naked Prey, 1966), de Cornel Wilde, por conta dos perigos enfrentados pelo protagonista, o próprio Wilde, ao cutucar uma tribo de nativos. No entanto, o primeiro a ousar, no que se refere a canibalismo, foi, sem dúvida, A Noite dos Mortos-Vivos (68), com George A.Romero fazendo os seus mortos agirem com independência e voracidade. Assim, a mistura entre selva e canibais logo inspiraria Umberto Lenzi a conceber o primeiro do ciclo italiano, Mundo Canibal (Il paese del sesso selvaggio, 1972). Daí por diante, cenas de perseguição, comunicação complicada, tentativas de fuga e violência seriam comuns no período, ampliando-se para a exibição gratuita de animais sendo mortos diante das câmeras.
É claro que o título mais popular da época é Cannibal Holocaust, de Ruggero Deodato, lançado em 1980, pela ousadia nas cenas gráficas e a câmera amadora dando um tom mais realista. Além de ser uma produção forte e tensa, o longa ainda trazia um interessante questionamento sobre quem seriam os verdadeiros selvagens no mundo contemporâneo. No mesmo ano, Lenzi faria um outro exemplar curioso inspirado no mesmo tema, deixando os canibais em segundo plano para criticar o fortalecimento de grupos religiosos como o de Jim Jones, capazes de conduzir seus seguidores a um suicídio em massa. Trata-se de Os Vivos Serão Devorados (Mangiati vivi! aka Eaten Alive), outra produção bastante conhecida na filmografia do período como um curioso representante do subgênero, recriando os rituais de Cannibal Holocaust e a violência de Cannibal Ferox, com doses cavalares de picaretagem.
No enredo, Sheila (Janet Agren, de Keruak, O Exterminador de Aço, 1986) é interrogada pela polícia sobre o desaparecimento de sua irmã Diana (Paola Senatore, de Emmanuelle na América, 1977) e viaja para uma floresta na Nova Guiné seguindo seu rastro, a partir das orientações do Professor Carter (o veterano Mel Ferrer, que também esteve em outro Eaten Alive - aquele dirigido por Tobe Hooper em 1977) e um vídeo onde ela vê a garota envolvida em estranhos rituais. Nas proximidades da região, ela consegue o apoio do americano expatriado e xavequeiro Mark Butler (Robert Kerman, de pornôs e participações em Cannibal Ferox, 1981, e A Noite dos Arrepios, 1986), convencido a participar da expedição por 80 mil.
Não demora para ela descobrir que sua irmã está viva, envolvida num culto selvagem comandado por Jonas (Ivan Rassimov, outra figura carimbada do período com o rosto sendo visto em Mundo Canibal, 1972, O Último Mundo dos Canibais e Shock, de 1977), que mantém seus fiéis no local entre rezas e rituais bizarros, envolvendo veneno de cobras, drogas hipnotizantes, sexo e citações à Bíblia. É óbvio que a referência é evidente para o massacre de Jonestone, que culminou com a morte de mais de 900 membros, incluindo crianças, um ato que seria repetido - até mesmo nas falas - na sequência final do longa.
Assim que reencontra a irmã, sem o estado alucinógeno, o grupo, ajudado pela lindíssima viúva nativa Mowara (Me Me Lai, também de Mundo Canibal e O Último Mundo dos Canibais), procura meios de escapar do local, embora saibam que a região é dominada também por uma tribo de canibais. É exatamente nessa tentativa de fuga que acontecerão as cenas sangrentas de canibalismo, mesmo que algumas cenas - como a própria morte de Mowara - sejam reaproveitadas de outras produções.
Consciente da força dos exploitations, Umberto Lenzi entrega cenas fortes de animais sendo mortos (a do crocodilo também foi reaproveitada), estupro - seja por um dildo coberto por sangue de cobra ou por um nativo -, castração, degolamento e, claro, canibalismo com a câmera não se envergonhando dos momentos mais sangrentos. E talvez seja esse excesso de cores, principalmente do vermelho, e que afasta o filme do tom depressivo e documental de Cannibal Holocaust, lembrando o público que se trata de mais um exemplar do período. Como destaque no elenco, vale citar o esforço de Ivan Rassimov de entregar um profeta da purificação carismático e sádico, nas mesmas proporções, fazendo o público questionar se vale a pena encarar essa prisão na selva ou enfrentar seu braço direito Karen (Franco Caduti, de A Montanha dos Canibais, 1978) e seus atos insanos - como o de entregar o corpo de Mowara para outros entes familiares.
Robert Kerman e seu Mark também são interessantes, com tons de canalhice e heroísmo. Apaixonado por whisky e dinheiro, ele é capaz de enfrentar canibais e os asseclas de Jonas, enquanto solta uma cantada em Sheila, conseguindo convencê-la de que eles possivelmente morrerão para garantir uma transa. Já Paola Senatore é a mais fraquinha do elenco, com poucas alterações em sua expressão, dificultando o público em saber se ela está em estado hipnótico ou apenas disfarçando.
Com esse tom crítico e cenas reaproveitadas, Os Vivos Serão Devorados mantém a diversão como uma aventura selvagem, com toques violentos e cenas sangrentas. Não é ousado como o clássico de Deodato, mas representa bem a voracidade de um período carnívoro do cinema italiano e que todos deveriam conhecer.