Inferno - 1980
“Mansão do Inferno” (ou simplesmente “Inferno”, no original) é a segunda parte da trilogia das “Três Mães” de Dario Argento, a primeira foi “Suspiria”, realizada em 1977, e a trinca se completaria apenas em 2007 com o decepcionante “O Retorno da Maldição –A Mãe das Lágrimas”. Inferno, apesar de alguns problemas durante as filmagens, foi realizado no auge da carreira do mestre Argento, em sua fase mais delirante e criativa.
O filme inicia com Rose (Irene Miracle), uma jovem poetisa, lendo um livro antigo numa cena bem semelhante à abertura do filme imediatamente posterior de Argento, “Tenebre”. É curioso notar como o diretor acaba conectando seus filmes uns aos outros com algumas citações. O livro em questão fala de três bruxas que se auto-intitulam “As Três Mães”, que estariam espalhadas pelo mundo, se dedicando a aterrorizar e matar. São elas: Mater Suspiriotum, a Mãe dos Suspiros, que fica em Friburgo, Alemanha (e que acabou enfrentando a bailarina Suzy Bannion (Jessica Harper) em “Suspiria”), é a mais velha de todas; Mater Lachrymarum, a Mãe das Lágrimas em Roma, a mais bela; e, Mater Tenebrarum, a Mãe das Trevas em Nova York, a mais cruel.
A leitura do livro faz com que Rose chegue à aterradora conclusão de que o lugar onde fica seu apartamento, uma mansão extravagante em Nova York, é a residência de uma das famigeradas Mães das Trevas. Ela tenta desesperadamente enviar suas suspeitas por carta ao irmão Mark (Leigh McCloskey, em papel oferecido a James Woods que recusou por estar filmando na época o “Videodrome” de Cronenberg), um estudante de música que mora em Roma. Entretanto, Mark acaba perdendo a carta, que é encontrada por sua colega de classe, Sara (Eleonora Giorgi) que descobre a história das Três Mães e acaba sendo assassinada por isso.
Mark então resolve ir ao encontro da irmã, em Nova York, o que ele não sabe é que Rose também já foi assassinada. Nosso protagonista ficará cara a cara com a Mater Tenebrarum.
Dando continuidade as experiências sensoriais de cores e sons de “Suspiria”, Dario Argento radicaliza ainda mais em sua estilização aqui, chegando a momentos de puro surrealismo e abstração, como na cena em que Rose mergulha na sala submersa, uma bizarrice digna de um “Alice no País das Maravilhas”. As cores intensas e chapantes e a música intensa continuam, embora aqui, na trilha sonora, o diretor acabou trocando a colaboração a de seus camaradas da banda Goblin pelas partituras do astro do rock progressivo Keith Emerson, da banda Emerson, Lake & Palmer. A trilha de Emerson funciona na maioria das vezes, e destoa em alguns momentos bem específicos, como quando Sara pega um táxi numa noite chuvosa em Roma (reparem que o taxista é interpretado por Fúlvio Mingozzi, o mesmo taxista sinistro do começo chuvoso de “Suspiria”).
O roteiro do próprio Argento continua um fiapo, lacônico e ilógico, dando ainda o tom de pesadelo do filme anterior. E se em “Suspiria” uma das inspirações visuais foi o desenho da Disney, “Branca de neve e os Sete Anões”, em “Inferno”, para dar continuidade ao clima de fábula macabra, a inspiração foi para a história dos Irmãos Grimm, “Hänsel e Gretal” (o João e Maria aqui no Brasil), trocando uma casa de doces por uma mansão cheia de armadilhas, e curiosamente, os irmãos aqui do filme nunca chegam a se encontrar na mesma cena.
Outra curiosidade é que Daria Nicolodi, companheira do diretor da época, alegou que o roteiro foi escrito em cima de um plot criado por ela, mas que não ganhou crédito (em “Suspiria” ela é creditada como co-roteirista), em compensação aqui ela ganhou um papel pequeno, como uma burguesa doente cujo marido está sempre viajando, e que é vizinha de Rose e que também desconfia de que há algo errado com o prédio em que elas moram.
Outra curiosidade é que este filme marca a despedida do Mestre Mario Bava, é sua última participação no cinema. Bava teria sido convidado para supervisionar alguns efeitos especiais, mas como Argento acabou doente durante as filmagens, tendo um caso de hepatite, Bava acabou dirigindo algumas sequências, segundo William Lustig (“Maniac”, “Maniac Cop”), que foi um dos produtores não creditados, a cena da morte do dono da livraria, sendo morto a facadas e devorado por ratos, teria sido dirigido por Mario, a própria atriz Irene Miracle alegou posteriormente que Bava dirigiu quase todas as suas cenas. Bava acabou não levando crédito, em compensação seu filho, Lamberto Bava, que também estava na produção, foi creditado como assistente de direção. Apesar disso tudo, “Inferno” é puro Argento, ainda que a filmografia de Dario deva muito ao próprio Mario Bava, que acabou falecendo sem ver este filme pronto.
No elenco ainda temos a participação de Alida Valli, num papel diferente da que ela realizou em “Suspiria”. E ainda Ania Pieroni, como a bela mulher misteriosa na aula de música, posteriormente confirmada como a Mater Lachrymarum, que em “O Retorno da Maldição –A Mãe das Lágrimas” o papel acabaria sendo de Moran Atias. Posteriormente Ania Pieroni acabaria trabalhando em “Tenebre” de Argento e “A Casa do cemitério” de Lucio Fulci. E tem ainda a participação do Michele Soavi (“Pássaro Sangento”, “Dellamorte dellamore”), na época que era pau pra toda obra em produções de Argento e Fulci, numa participação pequena apenas para terminar obviamente assassinado.
Ainda que uns poucos degraus abaixo de “Suspiria”, “Inferno” é uma obra hipnotizante, bela e aterradora. Imperdível para os fãs do amalucado horror italiano. O filme se encontra disponível em DVD no Brasil no Box Obras-primas do terror Volume 2 da versátil.
Mansão do Inferno (Inferno, Itália, 1980) Direção: Dario Argento. Com: Leigh McCloskey, Irene Miracle, Eleonora Giorgi, Daria Nicolodi, Sacha Pitoëff, Alida Valli, Verônica Lazar, Feodor Chaliapin Jr., Ania Pieroni.