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Midsommar - 2019


…que o horror se transforme em claridade.” Esse trecho de uma sentença proferida pela autora Clarice Lispector era a segunda motivação para conferir Midsommar, o segundo trabalho de Ari Aster. O primeiro se chama Hereditário. Lançado em 2018, sua carta de apresentação foi absoluta ao envolver o público num enredo incômodo e estranho, culminando numa visão pessimista e arrebatadora. Havia uma insana expectativa pelo filme seguinte, principalmente pelas imagens extremamente iluminadas e a promessa de trazer um terror à luz do dia. Qualquer imagem ou vídeo sobre Midsommar transparecia uma luminosidade que poderia cegar àqueles que estão acostumados por um Mal que sempre preferiu os cantos mais escuros dos ambientes mais sombrios. Com tantas possibilidades anunciadas, o resultado, embora positivo, não deixa de ser decepcionante.


Aster despontou como um respiro ao gênero, ao mesmo tempo em que trouxe novamente à tona discussões sobre o pós-horror, aquele termo que serviria para descrever filmes que vão além do horror e que possuem ritmo cadenciado sem deixar de ser perturbador. Em maio de 2018, quando Hereditário estava em vias de explodir nos cinemas, o cineasta já discutia com produtoras sobre seu próximo projeto. Uniu-se com o produtor Lars Knudsen e com a sueca B-Reel Films, que queria vê-lo comandando um slasher no país, mas não era o que tinha em mente. Aster queria ver a metáfora do fim de um relacionamento como roupagem de cultos e folclore da região, aproveitando experiências pessoais. Pesquisou, então, sobre o tradicional solstício (do latim sol + sistere, que não se mexe) de verão, que propõe festividades em países do norte da Europa como Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia. Esse momento em que o sol atinge sua maior declinação em latitude, como é apontado na astronomia, possui diversas leituras, dependendo da cultura, podendo simbolizar nascimento, mudanças de ciclos, fertilidade e até descobertas.

Nesse contexto, o enredo começa com uma tragédia. Sem contato com a irmã, Dani (Florence Pugh) descobre que tanto ela quanto os pais estão mortos. Sofrendo de ansiedade e pânico, a garota não encontra o apoio adequado no namorado Christian (Jack Reynor), que está em vias de encerrar o relacionamento a partir da insistência de seus amigos, Pelle (Vilhelm Blomgren), Josh (William Jackson Harper) e Mark (Will Poulter). Quando surge uma possibilidade de pesquisa numa comunidade sueca, em um tema que envolve o estudo de Josh e Christian, este propõe a viagem, e Dani se oferece para acompanhar o grupo.


Chegam a Haagar, um vilarejo que Pelle conhece bem. Lá conhecem os londrinos Simon (Archie Madekwe) e Connie (Ellora Torchia), e são bem recebidos pelos locais, curiosos pelo folclore da região e suas tradições estranhas. Aquele aparente Paraíso, com pessoas com vestimentas claras, floridas e sorrisos fáceis, possui seus próprios rituais, sendo que alguns aos poucos se mostram assustadores, como o que traz o fim do ciclo de vida de dois idosos – mostrados sem que a câmera se esconda, justificando a censura de 18 anos. A busca pelo conhecimento, escondido em desenhos e runas, símbolos e danças, traz um pesadelo que poderia ser evitado, se o estranhamento já não levasse a uma tentativa de fuga. Quando alguém tenta encontrar uma saída, desaparece para compor imagens que trarão novos horrores.

Diferente de Hereditário, aqui a proposta é mais visível. Ainda que haja símbolos que necessitem de uma pesquisa mais aprofundada – os quadros expostos, o significado das runas, o oráculo Ruben (Levente Puczkó-Smith)… -, a intenção desse conjunto de simbolizar o término da relação de Dani e Christian e as descobertas sobre seu verdadeiro caráter são explícitos (a falta de sinceridade e confiança, por exemplo, justificados nas conversas entre amigos e na sequência de acasalamento). E há o urso, que simboliza em algumas crenças como o despertar de sua verdadeira natureza, cruel e rude; e o contraste entre luz (vida) e noite (morte) já exposto no frame que abre o longa.


Se os aspectos técnicos são admiráveis – fotografia iluminada, direção e trilha bem selecionada -, o que diminui a avaliação de Midsommar é a narrativa óbvia, que destaca Dani desde o primeiro momento. Há muitas referências ali, incluindo O Massacre da Serra Elétrica e O Iluminado, porém a mais evidente e incômoda é a que remete a O Homem de Palha. O longa de 73, estrelado por Christopher Lee, inspirou o trabalho de Aster de tal maneira que pode ser considerado até mesmo uma cópia (estrangeiros que chegam a uma comunidade religiosa que possui cultos que envolvem sexualidade e sacrifícios), principalmente na sequência final. Aqueles que não conhecem o filme de Robin Hardy terão uma experiência melhor na aceitação de Midsommar!

Ainda que haja momentos perturbadores (talvez a palavra melhor seja embaraçosos), Midsommar está muito distante de Hereditário. Enquanto o primeiro deixava o espectador com uma sensação de desespero, sem perspectiva de melhora, seu segundo trabalho provoca pelo grafismo e situações infelizmente risíveis. É um bom filme, bem contextualizado e interessante sobre perda e separação, mas perde feio para o pesadelo familiar e sobrenatural. E não transfere o horror para a claridade, como Clarice havia sugerido e todos esperavam!


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