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Ghost Stories - 2019


A intensa máquina de produção de filmes na Índia entregou no fim de 2019 a antologia Quatro Histórias de Fantasmas (Ghost Stories), com a proposta de trazer enredos sobrenaturais dirigidos por diretores conceituados no país. Já é a terceira série nesse formato, com produção da RSVP – antecedido por Bombay Talkies (2013) e Lust Stories (2018) -, e a parceria com a grandiosa Netflix é um belo chamariz para o cinema de Bollywood e para os envolvidos. Contudo, seria importante que os contos apresentados sejam condizentes com o projeto, despertando, se não medo, pelo menos alguns arrepios.


Com uma divertida animação na abertura, o primeiro segmento, comandado por Karan Johar, é centrado numa enfermeira, Sameera (Janhvi Kapoor), que é contratada para substituir outra no cuidado a uma senhora, Malik (Surekha Sikri), com grandes problemas de saúde que a impedem de sair da cama e requer ajuda para medicações e banho. Enquanto segue uma rotina incômoda de tarefas com a senhora, que insistentemente pergunta sobre o filho, Sameera mantém as expectativas de reencontrar o namorado, Guddu (Vijay Varma), que a ilude sobre um futuro término de relacionamento. É uma história simples, boba, daquelas que funcionam melhor na narração diante de uma fogueira, pois se arrasta em sequências descartáveis apenas para promover um calafrio na última cena, quando acontece uma revelação frágil. A direção não compromete, assim como a boa atuação da protagonista, mas o enredo é muito simples e não traz sustos ou tensão.

A segunda história, dirigida por Anurag Kashyap, é a mais bizarra da antologia. Neha (Sobhita Dhulipala) está grávida de seu primeiro filho, ocupando seus dias no cuidado do sobrinho, Ansh (Zachary Braz), um garoto esquisito que sente muito ciúmes e teme perder o carinho pela chegada da nova criança. Com uma fotografia em paleta de cores frias, quase monocromática, o segmento parece envolver um mito indiano sobre o cuidado dos filhos e uma relação com alimentação e aves, resultando numa bizarra experiência no final, com influência da menino – que atua muito mal com expressões e reações que parecem artificias – e seu desejo intenso por ser único. Embora curioso, pode-se definir esse episódio como estranho, porém sem o sentido da repulsa ou do medo.

Mantendo uma sensação constante de claustrofobia e por apresentar uma cidade consumida por canibais, o terceiro conto, de Dibakar Banerjee, é o melhorzinho da antologia. Nele, um homem (Sukant Goel), com problemas no trem, acaba chegando a uma cidadezinha-fantasma, com apenas oficialmente dois ocupantes: um menino (Aditya Shetty) e uma garota (Eva Ameet Pardeshi). Eles contam que o pai da menina e cidadãos de Beesghara (traduzido como “bigtown“) devoraram as pessoas daquele lugar, e os que não foram devorados tiveram que comer carne humana para viver, o que os transformou também em canibais. Sem acreditar nas crianças, o forasteiro sairá do abrigo para verificar com os seus próprios olhos, o que o levará a uma “luta” pela sobrevivência.

Essa terceira história merece uma atenção não apenas por se tratar de monstros – em maquiagens aceitáveis -, mas pelo subtexto envolvendo a questão do “grande” devorar o “pequeno“, e os menos favorecidos terem que aceitar as condições propostas pelos dominantes. Deixa uma dúvida no ar na cena final, mas que serve para exatamente comprovar a intenção do diretor de transmitir uma mensagem sobre colonizador e colonizados. É a trama mais interessante, embora o humor na interpretação do protagonista atrapalhe um pouco o resultado final.


Por fim, com a direção de Karan Johar o curta de encerramento volta ao tema dos fantasmas. No enredo, parece que o casamento arranjado de Ira (Mrunal Thakur) e Dhruv (Avinash Tiwary) tem grandes chances de dar certo. Um rapaz simpático, bem apessoado, residente num casarão com empregados e suas tradições, pode ser a realização de um sonho. Contudo, ele tem uma relação muito próxima com a falecida avó, dizendo que a aliança precisa da autorização dela, e ainda todas as noites haver a necessidade do “boa noite, avó“. Para o estranhamento de Ira, o rapaz mantém um diálogo constante com o fantasma da senhora, mantendo na ativa, inclusive, a velha brincadeira do “esconde-esconde“.

Tais ocorrências incomodam a jovem, que não somente se recusa a dar boa noite à velha como também sugere a possibilidade de se mudarem de lá, para ele se desapegar da falecida e até buscar ajuda psicológica. No entanto, há mais pessoas na casa que respeitam a avó, como também acreditam que a garota talvez não seja a melhor escolha para Dhruv. O resultado, embora óbvio em sua realização, vale pelo tom pessimista, e por permitir que o espectador sinta uma empatia pela jovem, na expectativa que ela consiga encerrar de vez essa tradição familiar.


Se Quatro Histórias de Fantasmas tinha chances de se tornar uma janela curiosa para o cinema indiano, a antologia não fez por merecer. Contos simples, sem grandes surpresas e distantes de despertar o medo, porém bem dirigidos e com atuações entre medianas e boas, é recomendado apenas para que se possa ter um acesso ao cinema de um país que tem se especializado em levar emoção para a tela grande. Podia ser melhor!


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