Curupira: O Demônio da Floresta - 2018
Criaturas encantadas da Amazônia brilharam no mainstream no início de 2021 com a série Cidade Invisível, da Netflix, que apesar de ter recebido algumas críticas foi bem recebida pelo público, mas anteriormente também foram retratados em 2015 num dos arcos do filme Fábulas Negras (de Rodrigo Aragão). José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão, ficou responsável por dirigir o segmento O Saci, que mostrava um lado tenebroso do famoso personagem do folclore brasileiro.
Agora, em 2022, o foco segue na caracterização de mais uma conhecida criatura da floresta, o Curupira. Apresentado pelos realizadores como o primeiro filme de terror do estado do Maranhão, Curupira: O Demônio da Floresta, de Erlanes Duarte (da franquia de comédia “Muleque Té Doido”) narra a história (bem meia-boca, diga-se de passagem!) de um passeio de fim de semana que acaba se tornando o maior desafio da vida de seis jovens, presos numa ilha e perseguidos pela misteriosa criatura. Beto (André Bakka), Marcos (Al Danuzio), Diana (Rosanna Mualen), Cauã (Ruan de Vale), Carol (Luna Gandra) e Jéssica (Carol Cunha), precisam desesperadamente fugir daquele pesadelo e só Antônio (Di Ramalho), um velho caçador poderá ajudá-los.
O longa, antes mesmo de seu lançamento, já foi duramente criticado nas redes sociais e interpretado como uma demonização da cultura indígena e falta de respeito com os povos originários. O projeto também foi acusado de promover preconceito religioso e até racismo, já que o primeiro protagonista a ser morto foi Beto (o único negro do grupo) e na primeira aparição da criatura como a cunhada do velho caçador, Antônia, uma mulher negra – nada que já não tenha acontecido antes em trocentos filmes de horror pelo mundo, principalmente no gênero slasher.
Então...qual o problema com , Curupira: O Demônio da Floresta?
O problema com o filme é a sua falta de foco, estudo de campo e profissionalismo. Preparem suas pedras e paus, mas eu sempre fui a favor da “demonização” de personagens clássicos nos filmes de horror: bruxas canibais, brinquedos assassinos, crianças malignas e fadas diabólicas sempre foram um tempero a mais na construção de uma boa história de horror e isso não acontece no filme de Erlanes. Sua composição é fraca e repetitiva, como se quisesse (re)criar uma produção americanizada com retalhos de idéias já ultrapassadas e tudo isso ainda “agraciado” com interpretações dignas de uma trupe recém saída da escola de teatro. É extremamente óbvio que nenhum dos protagonistas é naturalizado com o gênero “horror” e utilizam (na cara larga) dos clichês mais batidos do gênero: tropeços-fantasmas, expressões forçadas de medo e ira, jargões estúpidos e as horrorosas gírias de adolescentes descolados dos Anos 90.
“Mas, espere...você está fugindo do foco da descaracterização e marginalização de uma famosa lenda do folclore nacional!”
OK. Conforme os livros de história mostram, a lenda do curupira já era conhecida dos portugueses desde o século XVI, sendo o primeiro a citá-la o padre jesuíta José de Anchieta, em São Vicente no ano de 1560. Outro relato foi o do padre João Daniel, em 1797, narrando as terríveis conseqüências de se encontrar frente a frente com o curupira. Este personagem já esteve associado a muitos casos de violência, abusos sexuais, rapto de crianças e horror psicológico. Capaz de enfeitiçar as crianças, as raptava e somente depois de sete anos elas eram devolvidas aos pais. Criando a fama de mau espírito, disposto a assombrar as noites dos índios e dos bandeirantes. Entretanto, como qualquer outra divindade de sua ‘religião’, os índios acreditavam e respeitavam tanto o curupira que muitos, quando iam entrar na floresta, prestavam oferendas para garantir proteção.
Nota-se que o “monstro” sempre esteve presente na composição do Curupira e que a única diferença era a forma como o tratavam. No caso, “demonizar” um personagem não significa torná-lo ruim e sim natural ao seu meio. Qual seria o apelo de perigo aos caçadores se a criatura fosse somente citada como uma criança de pés virados montada num porco e pedindo “por favor, não matem os bichinhos”?
Bom...mas voltemos ao filme...
O que me chateou sobre Curupira: O Demônio da Floresta não foi a “rede de escândalos” e sim a total falta de ousadia com o tema. O filme tem até um potencial em algumas partes como as cenas de gore e quando a criatura enlouquece as pessoas imitando as vozes dos outros protagonistas no momento em que foram mortos, mas faltaram elementos que enriqueceriam o filme se bem montadas. As locações são espetaculares, os planos de filmagem são dignos e nota-se certo cuidado na criação do roteiro, mas infelizmente tudo acabou se tornando uma espécie de clone do Predador.
Eu mesmo comprei a idéia muito pelo designer da criatura ilustrada no pôster do filme, uma criatura enrugada e esverdeada escondida pela mata selvagem, mas o que vemos no decorrer do filme é uma pessoa de látex (Flávia Barroso) encoberta por After Effects, descaracterizando drasticamente todo o trabalho da equipe de maquiagem e o mesmo ocorreu com as mudanças loucas das trilhas de fundo do filme, que mudam do incidental ao metal extremo tirando todo o foco do espectador quanto a trama e isso não teve nada a ver com falta de recursos. Citarei aqui que em 2019, Felix Blume lançou Curupira: Bicho do Mato, um curta de 40 minutos com closes, sons da floresta e fones de ouvido e conseguiu passar neste tempo toda a essência e o medo que os locais tem da famigerada criatura...
Fútil e absolutamente esquecível, este filme entrará para o hall do horror brazuca somente pela confusão e “escândalos” gerados pela sua produção.
Curupira: O Demônio da Floresta tem produção da Raça Ruim Filmes e Lengo Studius e coprodução da Guarnicê Produções.
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