Moloch - 2022
A referência a Moloch é suficientemente ampla e interessante, dentre os cenários mitológicos e demoníacos. É possível encontrar citações na Bíblia (uma delas está em Levíticos Cap. 18 Vs.21), no Dictionnaire Infernal, do ocultista francês Jacques Auguste, e até no poema absoluto de John Milton, Paraíso Perdido, escrito em 1667. Descrito como uma entidade que se alimenta de crianças, a partir de oferendas e sacrifícios, ele também é conhecido como Baal, um deus de origem cananeia, símbolo do fogo purificador simbolizando a alma – o que permitiu a relação com Cronos / Saturno, que teria se alimentado de seus filhos. Moloch é uma associação das palavras “Melech“, traduzido como “Rei“, e “boshet“, que seria “vergonha“, tendo como imagens representativas uma criatura similar ao Minotauro, sentado em um trono, com uma coroa, e os braços abertos no recebimento de mais um sacrifício.
O que isso tem a ver com o terror holandês homônimo, o debut na direção de Nico van den Brink? Trata-se de um horror adulto envolto em uma atmosfera aterrorizante, e que sugere uma ideia perturbadora para a mitologia envolvendo Moloch. Após um prólogo assustador que traz uma garotinha sendo banhada pelo sangue de alguém até então desconhecido para o infernauta, a trama salta trinta anos para mostrar que a pequena agora é a viúva Betriek (Sallie Harmsen, de Blade Runner 2049), mãe não muito protetora de Hanna (Noor van der Velden), de sete anos. Elas residem com os pais de Betriek, Elske (Anneke Blok) e Roelof (Fred Goessens), em um pântano ao norte da Holanda, onde um grupo de arqueólogos está em busca de corpos preservados na região.
Tais corpos, em aspectos mumificados e preservados pelo solo de turfeira, fazem referência às descobertas feitas em escavações na região, como o de uma adolescente encontrada em Stijfveen, perto da vila de Yde, em 1897, com mais de 1000 anos. Muitos deles apresentam características que permitem associação com rituais de sacrifício, por estarem amarrados e com sinais de esfaqueamento. No roteiro de van den Brink em associação com Daan Bakker, pode haver uma relação entre as vítimas e as oferendas a Moloch, nas tradições dos vilarejos locais, como aos poucos o líder da expedição Jonas (Alexandre Willaume) percebe, enquanto se aproxima intimamente de Betriek. Depois que o “homem dos sacos” é encontrado morto no local e Elske começa a apresentar um comportamento estranho, Betriek passa a se sentir observada pelos locais, ameaçada por invasões e também por uma presença sobrenatural. Próximo da apresentação de uma peça escolar, ela precisa compreender o passado e relacioná-lo às tradições, se quiser proteger a si mesma e a sua filha.
Apresentado pelo sistema de streaming Shudder, Moloch é uma das boas surpresas de 2022 da plataforma. Tem, entre seus muitos méritos – que vão da fotografia às atuações -, todo o contexto que envolve os dois conceitos mitológicos relacionados. Quando um filme de terror vai além de seus sustos para promover pesquisas e curiosidades, é sinal que seu conteúdo não é raso e permite boas reflexões. Ainda que tenha características slow burn – o ritmo lento de sua narrativa -, há momentos assustadores (a sequência do elevador, rivalizando com umas das melhores cenas de The Eye – A Herança) e episódios de tensão, proporcionados pela ameaça crescente e conspiratória.
E também contribuem para uma boa avaliação as ideias folclóricas que permeiam a comunidade local. A fotografia acinzentada, a névoa sob os pântanos, os olhares frios das tradições locais que alimentam a sensação pessimista…são muitos os aspectos que tornam a experiência gratificante. Com esse cartão de apresentação macabro, depois de ter realizado ótimos curtas, Nico van den Brink passa a atrair olhares para seus próximos projetos. Que continue abastecendo o gênero com exemplares aterrorizantes e profundos como este!
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