Prey - 2022
Na segunda aparição do Predador, em 1990, quando a criatura deixou de lado as selvas para caçar guerreiros na cidade grande, uma cena despertou a atenção dos fãs do alienígena: no final, após o tenente Michael R. Harrigan eliminar seu inimigo e notar que há diversos outros exemplares na nave, um deles deixa com o personagem de Danny Glover uma arma de pederneira antes de ir embora. Era o indício de que a raça de alienígenas inteligentes já havia estado na Terra em outras oportunidades, principalmente no século XVIII. O novo filme de Dan Trachtenberg (de Annabelle 3) veio com a proposta de mostrar como aconteceu uma dessas primeiras vindas, talvez até mostrar como as criaturas conseguiram a arma de fogo, resgatando o espírito selvagem do longa original.
O conceito surgiu durante o lançamento do quarto filme, O Predador, de 2018. Trachtenberg conversou com o produtor John Davis sobre a ideia que vinha desenvolvendo com o roteirista Patrick Aison desde 2016. A intenção era realizá-la discretamente, chamando o projeto de Skulls, mas acabou se permitindo a descoberta em novembro de 2020, quando o longa já tinha elenco escalado e datas de filmagens determinadas em 2021. Trachtenberg queria que o filme fosse o mais próximo possível do original, mostrando a ingenuidade de um humano enquanto tenta aprender a lidar com uma ameaça muito mais poderosa e mortal. Nada mais justo que a obra abordasse os comanches, pela sua própria natureza de caça e desenvolvimento de seus guerreiros. Mas, o novo filme foi além, ao explorar a temática do papel da mulher na sociedade da época – e que refletiria nos séculos seguintes.
Ambientado em 1719, a trama apresenta a deslocada jovem comanche Naru (Amber Midthunder), que apenas exerce em sua tribo o papel de curandeira, embora deseje se tornar uma caçadora, espelhada no irmão Taabe (Dakota Beavers). Ela rastreia cervos e sofre para caçar coelhos com seu cão fiel Sarii, sempre questionada sobre suas funções serem outras. Depois de avistar a chegada de uma nave, sem realmente entender do que se trata, ela tenta ajudar os guerreiros a resgatar um jovem que teria sido atacado por um leão da montanha. Falhando mais uma vez no combate com o felino, ela tenta dizer aos demais que existe algo a mais na selva, por ter visto luzes e pegadas bípedes, sendo desacreditada, enquanto nota mais uma vez o sucesso do irmão. Disposta a mostrar seu valor como guerreira, Naru caminha na direção contrária às mulheres da tribo para tentar descobrir o que está à solta, mas terá problemas com um urso e um grupo de franceses, além, é claro, do Predador.
Não há necessidade de expor mais detalhes do enredo até mesmo porque nem há muito mais a contar. Não que isso seja indício de demérito, mas é porque o que se segue é até óbvio, ainda que o desenvolvimento funcione de maneira bem interessante. A protagonista, de poucos sorrisos, terá que aprender a enfrentar seu inimigo como grande desafio de uma futura guerreira, mas também terá que ir além de seus limites. Depois que percebe a dificuldade de resgatar a machadinha quando a atira, por exemplo, ela resolve amarrar uma corda nela e prendê-la em seu pulso, o que a auxilia durante vários enfrentamentos e até na dificuldade que encontra para sair de um pântano.
Diferente de um herói típico do cinema de gênero, ela sabe o momento certo de simplesmente fugir de um lugar ao invés de tentar um combate físico. Naru também se mostra esperta na preparação de armadilhas e no uso da mata como recurso de defesa e esconderijo. E são aprendizados importantes porque o Predador se mostra um inimigo ágil, mais até do que os vistos nos outros filmes, saltando entre árvores, e inteligente no uso de seus recursos tecnológicos. Como se passa no século XVIII, o roteiro explora o passado de algumas armas que serão vistas em filmes futuros, como o triângulo de luzes que, até então, não solta lasers, mas pequenas flechas, e também a própria máscara do alienígena, ainda sem proteção para a boca.
Contribuem para a boa aceitação do filme a excelente direção de Trachtenberg e a ótima fotografia de Jeff Cutter, ainda mais nas cenas noturnas. O bom posicionamento de câmeras auxilia na construção da linguagem cinematográfica, como a vista na já mencionada cena em que a jovem anda no primeiro momento acompanhando as mulheres da tribo e em outro na direção contrária. Os efeitos especiais e visuais também são muito bons, destacando as boas sequências que envolvem os destinos de um pássaro e uma cobra, além dos movimentos do leão da montanha, dos cervos e principalmente de um urso.
Quinto filme da franquia, iniciada com Predador (1987) e seguida por Predador 2: A Caçada Continua (1990), Predadores (2010) e O Predador (2018) – sem contar os dois embates Alien Vs Predador -, este é, sem dúvida, o melhor exemplar desde o original. Bem realizado e gravado em duas linguagens (o streaming permite que você o assista com o elenco falando comanche), trata-se de um filmaço, provavelmente um dos grandes destaques de 2022. Assista e se divirta com um survival horror na selva, com elementos de western, e que responde à dúvida que Michael deve ter tido em 1990, quando a criatura lhe deu aquela arma do passado.
Comments