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Talk to Me - 2023


A A24 é uma distribuidora referência no mercado cinematográfico pela escolha refinada de suas aquisições. Produções que levam o logo da empresa fazem parte dos considerados – detesto esse termo, mas serve para explicar bem – “filmes-cabeça“, aqueles que permitem amplas reflexões, são profundos e com uma narrativa mais cadenciada. Daí vieram expressões como “pós-horror” ou “horror elevado” para definir longas como Tusk: A Transformação (2014), A Bruxa (2015), O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), Hereditário (2018), O Farol (2019), Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019), A Lenda do Cavaleiro Verde (2021), Pearl (2022), X: A Marca da Morte (2022) e o recente Beau Tem Medo (2023). Dentro de seus próprios critérios, com elenco de rostos conhecidos, é estranho encontrar em suas prateleiras títulos como Morte Morte Morte (2022) e Fale Comigo (Talk to Me, 2023).


Tratam-se de duas obras aparentemente voltadas para o público jovem. Adolescentes estúpidos com ideias estúpidas em desafios que culminam em violência e morte. A Sétima Arte é permeada de exemplares do chamado “horror teen” e que teve um segundo período fértil no final dos anos 90 – ainda que sejam filmes populares, mas com críticas mistas. Os trailers colaboraram para a consolidação desse pré-conceito: jovens sendo estúpidos, com seus vícios e hormônios, envolvidos com algo que não conseguem controlar. Enquanto Morte Morte Morte ainda mantém uma concepção parecida com outras produções da A24, com uma narrativa que demora para mostrar a que veio, o mesmo não acontece com o fenômeno Talk to Me (Fale Comigo).


Sim, fenômeno. O filme teve uma exibição inicial no Adelaide Film Festival em 30 de outubro de 2022. Depois passou pelo Festival de Cannes até alcançar o Festival de Sundance de 2023, na programação da meia-noite. A A24 venceu a disputa para a distribuição nos EUA em um leilão de estúdios que incluíam a Universal Pictures. Outras empresas brigaram pelo direito de levar o filme para seus países, como a Diamond Films conquistou aqui no Brasil. Com muitas opiniões positivas, uma nota 7,5 no IMDb, o longa fez parte de um evento gigantesco realizado no Shopping Eldorado como pré-estreia, contando com brindes de camisetas, drinks, DJ, flash tattoo, cenários interativos e a presença de influenciadores do Brasil inteiro, como o próprio Boca do Inferno. Algo nunca visto num evento similar do gênero e que já trazia os primeiros sinais de que aquele não era um terror teen como qualquer outro.

A passagem de Talk to Me pelos cinemas pelo mundo foi outra evidência de sua qualidade. Já é considerada a melhor estreia da A24 desde Midsommar, com um alcance, até o momento, após apenas um fim de semana de seu lançamento, de mais de US$36 milhões de dólares. Deve aumentar ainda mais com a estreia brasileira e por outros países, uma vez que Barbie e o novo Missão Impossível já começam a liberar espaços nas salas. É claro que bilheteria nunca foi sinônimo de qualidade, mas no caso de Fale Comigo é uma combinação que faz muito sentido.


Marcando o debut de Danny e Michael Philippou na direção, Talk to Me segue o roteiro de Bill Hinzman e Daley Pearson para contar um dos enredos mais clichês do gênero: aqueles que envolvem comunicação com os mortos. Não tem nada mais explorado no cinema de horror do que esse contato com espíritos e entidades demoníacas e que culmina com possessão – a pequena Regan MacNeil que o diga. Seja com Tábua Ouija, o pêndulo, a Brincadeira do Copo, do Charlie Charlie ou outros acessórios, o cinema cansou de mostrar as consequências disso. Mas são jovens, né?

No prólogo, o briguento Cole (Ari McCarthy) invade uma festa em busca do irmão Duckett (Sunny Johnson), trancado em um quarto. Com um comportamento estranho, frases sem sentido, o resgate do rapaz termina de maneira trágica para a perplexidade dos presentes. Na cena seguinte, Mia (Sophie Wilde) está depressiva pelo aniversário da morte da mãe, que afetou o relacionamento com o pai Max (Marcus Johnson). Ela é convencida pela amiga Jade (Alexandra Jensen) a participarem de uma festa em que um ritual viral será realizado, envolvendo comunicação com pessoas mortas. O irmão de Jade, Riley (Joe Bird), consegue chantagear a garota para ir também, e o trio foge para o evento organizado por Hayley (Zoe Terakes) e Joss (Chris Alosio).


Lá, depois de curtirem bebidas e conversarem sobre o ex de Mia, que atualmente está com Jade, o instrumento de comunicação é apresentado: trata-se da mão embalsamada de um médium falecido. Para participar do experimento, basta tocar nela e dizer o tal “Fale Comigo” para já visualizar um fantasma perdido. Se disser “Eu te deixo entrar“, a pessoa é possuída pela entidade, ficando com os olhos negros e a personalidade do invasor. Pensando em rever a mãe, Mia se oferece para participar, assim como Riley, resultando em situações que partem de uma atitude típica da idade dos envolvidos – brincadeiras e gozações – para algo realmente agressivo e assustador.


A partir de então, Talk to Me envolve o espectador em uma teia de horror, com assombrações grotescas em caracterizações horrendas, acompanhadas de um som de engasgo, transmitindo uma sensação persistente e incômoda de insegurança. Envolta em pesadelos, Mia é seduzida pela ideia de voltar a usar o acessório como uma droga experimentada por um adolescente ingênuo – esse diálogo traz a profundidade que a A24 estaria buscando, assim como outros subtextos tendo como ponto principal a relação com a perda.

À medida em que a protagonista se envolve com o artefato, sua condição psicológica vai sendo mais afetada, numa descida literal ao inferno. E Sophie Wilde faz bem o papel de adolescente incauta, curiosa e inconsequente a ponto de não se definir como vítima ou vilã. Enquanto a experiente Miranda Otto (Annabelle 2: A Criação do Mal) encarna uma mãe moderninha, atenta à Geração Z, com suas festas desordenadas e envolvimento com coisas ilícitas, Marcus Johnson atua como um pai em conflito, com uma filha sem rumo, além de um elemento importante no ato final da narrativa.


Com efeitos interessantes de maquiagem, Talk to Me é o terror do ano até o momento. Despretensioso e apavorante, vai na contramão do terror teen tradicional, ainda que seja um, para apresentar uma boa reciclagem dos velhos temas, com teor pessimista e sem respiro para o espectador. Toque na mão e você verá com seus próprios olhos!


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