The Banishing - 2020
Se The Banishing tivesse sido lançado em meados de 2010, seria uma produção que despertaria muito mais interesse dos fãs de horror. Até o início da segunda década do século XXI, Christopher Smith era um nome inspirador dentro do gênero, tendo sido responsável pelos filmes Plataforma do Medo (2004), Mutilados (2006), Triângulo do Medo (2009) e Morte Negra (2010). Seus trabalhos posteriores, ainda que bem avaliados, já não tinham o brilhantismo de seus primeiros quatro longas: dirigiu dois episódios da série Labirinto (2012), a comédia Que fim levou Papai Noel? (2014) e o suspense Detour (2016), além de participação em Curfew (2019) e Alex Rider (2020). Talvez esse longo período distante do medo possa ter diminuído um pouco de sua intensidade narrativa, ainda que tenha deixado vestígios de bons arrepios.
Primeiro trabalho do cineasta sem o seu envolvimento com o roteiro, The Banishing tem como ambientação a casa considerada mais assombrada da Inglaterra, com um passado de eventos trágicos e manifestações paranormais. Morley Hall (conhecida também como Borley Rectory) é um casarão paroquial em estilo gótico, construído em 1862, que começou a atrair a atenção no ano seguinte, quando os locais relataram ouvir passos; depois em 1900, as quatro filhas do reitor Henry Dawson Ellis Bull disseram ter visto uma freira fantasma rondando os corredores, entre outros episódios como o de uma carruagem fantasma ter sido vista em frente a casa, comandada por cocheiros sem cabeça. Em 1929, a esposa do reverendo Guy Eric Smith disse ter encontrado o crânio de uma jovem durante a limpeza de um armário; e depois a família ainda relatou ter ouvido sons de sinos inexistentes, passos e avistado luzes nas janelas, assim como a tal carruagem de outrora. Ao entrar em contato com a imprensa, através do Daily Mirror, e também da Society for Psychical Research, o famoso psíquico Harry Price foi ao local para confirmar as suspeitas. Com a casa vendida depois de muita insistência em busca de moradores, a casa passou a pertencer ao reverendo Lionel Algernon Foyster, sua esposa Marianne e a filha adotiva Adelaide, que chegaram ao local em 16 de outubro de 1930.
O roteiro, escrito por David Beton, Ray Bogdanovich e Dean Lines, espelha-se nesses últimos residentes, com inúmeras liberdades criativas. O longa começa em 1935 quando um vigário, tomado pelos ciúmes, assassina sua esposa e se suicida. Com o caso abafado pelo bispo Malachi (John Lynch), três anos depois o lugar é habitado pelo reverendo Linus Forster (John Heffernan), sua esposa Marianne (Jessica Brown Findlay) e a filha Adelaide (Anya McKenna-Bruce), nascida fora do casamento e assumida como sobrinha. Enquanto Linus reluta para tocar intimamente em sua esposa, a filha já começa a experimentar situações estranhas como se comunicar com seres invisíveis e brincar com bonecos de monges.
Marianne também passa a ser aterrorizada por visões que envolvem a antecipação de incidentes trágicos e o estranho reflexo no espelho. Parece que tudo tem relação com incidentes ocorridos em um longínquo passado, que já teriam servido de influência para a morte do vigário no começo, algo que o psíquico Harry Reed (Sean Harris, que fez a criatura de Plataforma do Medo) tenta alertar, mas é impedido constantemente pelo bispo. Qual é o interesse da Igreja com o casarão? O que aconteceu no passado envolvendo uma mulher e monges? Por que o interesse na criança? E qual a razão de Linus chamar o nome da empregada Betsy (Jean St. Clair) pela casa, se ela é surda? São dúvidas que irão acompanhar o interesse do público durante a projeção, alternadas por alguns jumpscares e retratos assustadores.
Percebe-se, sim, que Christopher Smith ainda sabe lidar com arrepios em algumas sequências interessantes como aquela em que Marianne vê a si mesmo flutuando com o corpo colado à parede ou a primeira aparição do vulto que caminha nos porões úmidos. São breves momentos que não abafam os clichês do gênero, sejam nos espelhos que possuem reflexos com vida própria ou no conceito de “influência por possessão” que altera o comportamento gradual de alguém na casa, como bem visto em O Iluminado. Isso sem contar uma brincadeira de Marco Polo, que remete às palmas de Invocação do Mal e aos esconderijos de Os Inocentes.
Ainda que não tenha uma envergadura própria para o subgênero das casas assombradas, ignorando sons estranhos que poderiam relembrar páginas da cartilha, The Banishing deixa transparecer que se trata de um filme de fantasmas. É um pouco disso também, mas o que torna a produção mais interessante é seu contexto, exageradamente exposto em muitas cenas com gravações de áudio e até informes no interior de um cinema. Colocar-se no lugar da protagonista, em ambientes misóginos, faz parte dos méritos do filme.
Como se nota o longa optou por transportar a narração dez anos a frente dos fatos envolvendo a família Foyster (chamada no filme de Forster), e trouxe uma profundidade maior ao psíquico Harry Price (Harry Reed no longa), explorando até mesmo suas qualidades como dançarino e a relação com a bebida. E também optaram por ignorar toda a polêmica envolvendo a farsa da família, que teria escondido uma relação adúltera de Marianne com o empregado Frank – aparece no filme na interpretação de Adam Hugill, mas sem insinuar uma possível relação. Segundo notícias da época, o caso extraconjugal fora abafado pela invenção de fantasmas que estariam circundando as paredes escuras.
Com todas essas curiosidades, pode parecer que The Banishing não vai além disso. Merece sua atenção também pela construção gótica e o envolvimento da Igreja nos arrepios, na tentativa de esconder uma verdade sombria, algo que poderia transportar o filme de Christopher Smith para séculos atrás e teria o mesmo resultado.
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