Vampires vs. The Bronx - 2020
É impossível não notar o quanto a série Stranger Things despertou um cinema adormecido há algumas décadas. Era bastante comum na década de 80, principalmente na segunda metade, o estilo “terrir“, uma deliciosa mistura entre terror e comédia, muitas delas protagonizadas por crianças, pré-adolescentes e jovens adultos. Por suas características e respeito ao gênero, nem todas chegavam a ser produções infanto-juvenis, e o humor, muitas vezes, aparecia discreto, relacionado a um ou outro personagem. Desta safra, vieram Os Goonies (1985), de Richard Donner, O Enigma da Pirâmide (1985) – ambos roteiros de Chris Columbus -, Noite dos Arrepios (1986) e Deu a Louca nos Monstros (1987), de Fred Dekker, entre muitos outros. Stranger Things foi intensivamente o motor propulsor da refilmagem de It – A Coisa (2017) e motivou a realização de Verão de 84 (2018) e Fim do Mundo (2019), além, é claro, de Vampiros Vs The Bronx.
Este último, ao lado de It – A Coisa, é provavelmente o que melhor alcançou o seu propósito saudosista, ainda que, curiosamente, não tenha se passado nos anos 80. Aliás, Vampiros Vs The Bronx mostra que não é preciso ambientar produções no passado para reconstruir aquela atmosfera divertida, bastando apenas resgatar o espírito da época. Contudo, é preciso ressaltar ainda que o longa de Osmany Rodriguez soube caminhar com as próprias pernas não buscando exatamente inspirações, e, sim, referências. Há nesse divertido filme – e vou usar a palavra “diversão” mais vezes – um pouco do que o gênero foi perdendo ao longo de sua evolução, ao buscar o realismo a todo custo e tentando misturar com outros estilos. Pois a fórmula era muito mais simples e funcional.
Localizado em Nova Iorque, o Bronx é um dos bairros mais populares dos EUA. É o quinto mais populoso, e considerado um dos mais pobres da América. Mas, não é o mais violento. Há um senso de união entre os moradores, como se formassem uma imensa família, no apoio e crescimento. E também vale como importante menção o quanto é notada a presença de “pessoas de fora“, sejam estrangeiros ou novos moradores. Essas características são fundamentais para entender as principais ferramentas do roteiro de Blaise Hemingway e de Rodriguez. Três pré-adolescentes, Bobby Carter (Gerald Jones III), Luis Acosta (Gregory Diaz IV) e o “prefeitinho” Miguel Martinez (Jaden Michael), estão preocupados com a venda de um estabelecimento comercial que frequentam na região. A bodega Primo, administrada por Tony (The Kid Mero), está em vias de se fechar devido ao crescimento de uma indústria na região, a Murnau Enterprises.
Com referência óbvia ao diretor ao diretor de Nosferatu (1922) e usando como imagem um das que representam Vlad Tepes, a Murnau está comprando grande parte dos edifícios do Bronx para se estabelecer. Miguel espalha cartazes, pensa em realizar um evento para arrecadar fundos e tenta um diálogo com o proprietário, Frank Polidori (Shea Whigham) – sobrenome que homenageia John William Polidori, autor da obra O Vampiro, escrita em 1819 -, mas a aproximação e depois de testemunhar um assassinato faz com que ele e os amigos percebam que os novos moradores são vampiros. Sem saber como convencer os adultos, uma vez que são jovens “cheios de imaginação“, eles estudam o filme Blade, o Caçador de Vampiros (1998), de Stephen Norrington, para identificar maneiras de liquidar com as criaturas da noite. Além da descrença e dos sugadores de sangue, o trio ainda precisa confrontar suas mães protetoras, com regras e horários.
Carismáticos, os jovens possuem características que os tornam “reais“, com seus próprios problemas, convicções e paqueras. Enquanto Miguel se mostra corajoso e disposto a cravar estacas nos vampiros, Bobby é o último a acreditar no que anda acontecendo, ao passo que flerta com a bandidagem da região; e Luís é o da saúde frágil e o mais medroso. Com essas particularidades e algumas doses de ingenuidade, os três se tornam a principal força do enredo, em momentos que prevalecem a idade de outros que enaltecem o heroísmo. Divertem na mesma proporção que trazem preocupações sobre se serão capazes de vencer os inimigos sobrenaturais. Estes, os tais estrangeiros que estão formando raízes no bairro, são caracterizados como criaturas vorazes, que temem cruzes e a luz do sol e mudam as feições quando estão prestes a rasgar uma jugular.
Este embate entre o Bronx e os vampiros conduz o infernauta a lembrar dos anos 80, de produções vampíricas como A Hora do Espanto (vizinhos vampiros, caixões sendo trazidos para os prédios) e Os Garotos Perdidos – lembra dos irmãos Frogg? Mas não estão nos anos 80! Além de Blade, há a garota blogueira que filma tudo que acontece no bairro, referência a jogos e músicas modernas, da mesma forma que mostra os garotos invadindo lugares escuros, roubando água benta e hóstias para encher bexigas, buscando caixões e localizando corpos pendurados nos tetos. O humor, embora estabelecido, não desmerece os vilões e nem o heroísmo e coragem dos jovens; não é ao estilo infantil, pastelão ou que força a risada. Em outras palavras, diverte de maneira natural, como aconteciam nas melhores produções exibidas na Sessão da Tarde.
Há, além da diversão proposta, metáforas que abordam temas sociais, como preconceito, discriminação e xenofobia, o que eleva ainda mais a qualidade do material. Uma das principais ligações a esses temas está no papel da aparente boa gente Vivian (Sarah Gadon, de A Casa dos Sonhos, Drácula – A História Nunca Contada e a minissérie 11.22.63), que inicialmente destoa do núcleo principal até que sua presença no filme seja justificada. A despeito de sua importância social, Vampiros Vs The Bronx também funciona apenas como cinema de entretenimento!
Quais serão as próximas aventuras que os três garotos e os moradores do Bronx irão enfrentar? Não me importaria em vê-los novamente protegendo o bairro contra outros monstros, em divertidas referências!
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